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Projeto que permite doar 1% do salário para causa social engrena, sem brasileiros

Luís Curro
Alguns dos jogadores (e jogadoras) de futebol que aceitaram doar 1% de seus salários para causas sociais (Reprodução/Site Common Goal)

Você aceitaria doar 1% do seu salário para uma causa social?

Aqui no Brasil, para a maioria dos trabalhadores comuns, abrir mão de 1%, mesmo que seja para um projeto que engrandeça e desenvolva a sociedade, pode possivelmente desbalancear o orçamento. Fazer falta no fim do mês.

Quem ganha um salário mínimo, hoje R$ 937, tem condição de ficar sem R$ 9,37? Parece uma ninharia, mas… cada caso é um caso, não dá para generalizar.

Falando de futebol. Você sabe quanto ganha um jogador de ponta, de primeiro nível?

Indo ao extremo, Neymar, do Paris Saint-Germain, é o atual dono do maior salário do mundo: aproximadamente R$ 11,8 milhões por mês, ou R$ 390 mil por dia, ou R$ 16,2 mil por hora, ou R$ 270 por minuto. A cada 4 minutos, o melhor jogador do futebol brasileiro fatura mais que um salário mínimo.

Se o empregador francês lhe paga essa quantia astronômica, considera que seu camisa 10 merece. Mérito de Neymar, ponto.

Cito Neymar como exemplo máximo de um universo no qual os melhores futebolistas (e até mesmo os de segundo escalão, a depender do país em que jogam) ganham dezenas de milhares de reais não por mês, mas por dia.

Penso no que eles pensam para fazer uso de tanto dinheiro.

Por mais que se gaste (em mansões, carros, iates, joias, roupas, restaurantes, viagens, shows, festas etc, esses itens consumíveis que os futebolistas adoram), é necessário ser por demais perdulário para que não sobre nada. Imagino que haja grandes quantias depositadas em bancos (talvez em paraísos fiscais).

Juan Mata, do Manchester United, lançou em agosto o programa Common Goal (Rebecca Naden – 19.aug.2017/Reuters)

Volto à causa social.

O espanhol Juan Mata, meia-atacante do Manchester United, lançou neste semestre o programa Common Goal (Meta Comum), pelo qual jogadores de futebol que queiram participar destinam 1% de seus ganhos salariais para o projeto.

“É um pequeno gesto que, se for compartilhado, pode mudar o mundo”, afirmou o espanhol em texto publicado no dia 4 de agosto no site The Players’ Tribune.

Mata ganha R$ 2,58 milhões por mês. É um dos vários milionários do futebol. Desse valor, R$ 25,8 mil são automaticamente direcionados ao Common Goal.

E como funciona o Common Goal?

A verba arrecadada com as doações destina-se a um fundo administrado pela Streetfootballworld, organização não governamental fundada em 2002 pelo alemão Jürgen Griesbeck cuja atuação é focada na transformação social por meio do futebol.

Em seu site, o Common Goal informa que um comitê de gestão tomas as decisões de para qual país direcionar os investimentos, com base nas preferências dos doadores. O dinheiro chega a entidades comprometidas em tornar a sociedade menos desigual por meio de ações relacionadas ao futebol.

Eis as palavras de Mata, ao convidar companheiros para o projeto: “Temos muita sorte de viver um sonho. Vamos nos unir e ajudar as crianças de todos os lugares a experimentar a mesma luz”.

O zagueiro Mats Hummels, do Bayern de Munique e campeão com a Alemanha na Copa do Mundo de 2014, foi um dos primeiros a aderir. Alex Morgan e Megan Rapinoe, da seleção dos EUA, fizeram o mesmo, enfatizando a importância de as mulheres participarem. Na sequência, o beque italiano Chiellini, da Juventus, aquele que foi mordido pelo uruguaio Suárez em jogo no Mundial do Brasil.

Alex Morgan (esq.) e Megan Rapinoe, da seleção dos Estados Unidos, foram as primeira mulheres a aceitar doar 1% do salário para o projeto social (Andrew Yates – 6.aug.2012/AFP)

Em dois meses, somente essa quadra se solidarizou. Estaria o projeto fadado ao fracasso? Felizmente, não. Aos poucos, mais gente ligada ao futebol deu as caras, não apenas atletas – há também treinador (o alemão Julian Nagelsmann, do Hoffenheim) e cartola (o esloveno Aleksander Ceferin, presidente da Uefa).

E o Common Goal engrenou.

Hoje, incluindo Mata, são 34 contribuintes que se permitem abdicar de um ínfimo do salário para dar oportunidades para quem não as têm.

Há conhecidos para quem acompanha futebol de alto nível, casos de Hummels, Chiellini, Kagawa (meia-atacante da seleção japonesa) e Schmeichel (goleiro da seleção dinamarquesa), porém a maioria são incógnitos até para os especialistas no esporte bretão, casos do australiano Brosque (Sydney FC) e do espanhol Prada (Wiener Neustadt, da Áustria).

Esses 34, dos quais 10 são mulheres, estão divididos em 18 nacionalidades: Alemanha, Argentina, Austrália, Colômbia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, EUA, Gana, Holanda, Inglaterra, Islândia, Itália, Japão, Lesoto, Nicarágua, Turquia e Uganda.

Kasper Schmeichel, goleiro do Leicester e da seleção da Dinamarca, juntou-se ao grupo de colaboradores do Common Goal no dia 7 deste mês (Carl Recine – 28.nov.2017/Reuters)

A pergunta que eu faço é: por que não há ninguém do Brasil, autoproclamado o país do futebol e aclamado pela alta dose de solidariedade de seus habitantes?

Se é por falta de conhecimento do projeto, que este texto ajude a propagá-lo, para que chegue aos olhos, ouvidos e corações de expoentes do nosso futebol.

Seria gratificante se o exemplo partisse de grandes nomes da seleção brasileira, como Daniel Alves, Thiago Silva, Marcelo, Philippe Coutinho, Gabriel Jesus, o técnico Tite e, por que não, Neymar.

É sabido que o supercraque do PSG tem a sua veia comunitária, com o Instituto Neymar Jr. (em Praia Grande, litoral paulista), digno de elogios. Mas será que ele não pode ir além e incluir seu badalado nome (e 1% de seu astronômico salário, ou a bagatela, para ele, de R$ 118 mil mensais) na iniciativa de um colega de profissão?

Tenho convicção de que, se Neymar fizer isso, dezenas (talvez centenas) de futebolistas brasileiros (e estrangeiros) o seguirão, e quem ganhará serão garotos e garotas carentes que, como um dia foi Neymar, poderão, primeiro, praticar uma atividade saudável, e, segundo, vir a ter uma carreira brilhante no esporte – uma chance, um incentivo, um acompanhamento são o que lhes falta.

O convite está feito, o recado está dado. Quem sabe?

Em tempo 1: Um por cento é o valor mínimo a ser descontado conforme a regra do Common Goal. Porcentagens maiores são aceitas.

Em tempo 2: Informo sobre o projeto de Mata pois o considero muito pouco conhecido e o propagandeio por acreditar em seu objetivo. Espero, neste mundo em que corrupção e más intenções insistem em perdurar e se perpetuar, não saber daqui a algum tempo que há desvio de dinheiro no Common Goal. Seria um tremendo baque.

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