Futebol perde Maradona, o mais hábil dos canhotos e genial até na trapaça
É uma conclusão pessoal, como muito no futebol é estritamente pessoal. E é uma questão de mística, nesta definição: quando a lógica é sobrepujada pelos sentimentos.
Depois de Pelé, que é “hors concours”, Diego Maradona foi o mais formidável dos futebolistas. E o mais hábil, eu diria com certa margem, entre os canhotos.
Mais que Rivellino, que, como me disse o também canhoto Tostão, “era uma coisa assombrosa, com a bola era o Maradona” –no sentido de a pelota “grudar” no pé, como um ímã, e ninguém conseguir tirar.
Mais hábil que o romeno Hagi, mais que o holandês Robben, mais que o brasileiro Djalminha, para citar alguns jogadores que fizeram estripulias com a canhota, entre os que pude ver em ação.
E mais hábil que Messi.
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Messi é gênio como Maradona? Sim. Mas não tem –pelo menos até agora, e já está com 33 anos– uma Copa do Mundo.
Aos 25 anos, Maradona capitaneou a Argentina campeã mundial em 1986, no México, o mesmo México que viu a seleção brasileira mais marcante de todos os tempos, a que faturou o tricampeonato em 1970.
Nessa Copa, Maradona ficou famoso por fazer o gol que ficou conhecido como o “com a mão de Deus”, diante da Inglaterra, nas quartas de final –vitória por 2 a 1.
Genial até na trapaça, o camisa 10, do alto do seu 1,65 m, fez com a mão esquerda um movimento tão coordenado com a cabeça que é necessário ver o replay mais de uma vez, e em ângulos diversos (não tinha VAR na época), para detectar o leve toque irregular que encobriu o goleiro Shilton.
Mas o assombro veio mesmo com o segundo gol, no qual pegou a bola no campo de defesa, enfileirou quatro ingleses em velocidade, dando dez toques na bola –todos eles com o pé esquerdo–, sendo o último, depois de driblar Shilton, o que botou a bola na rede.
Isso tudo num intervalo de cinco minutos.
Dirão que muito jogador já fez gol no futebol partindo, da defesa, com a bola dominada. Mas em Copa do Mundo quantos fizeram? Afora Maradona, lembro-me de Al-Owairan, em Arábia Saudita 1 x 0 Bélgica, na Copa de 1994, nos EUA. E só.
Na semifinal de 1986, Maradona ainda anotou mais dois gols belíssimos contra a Bélgica, os dois gols do jogo, também em curto intervalo de tempo (11 minutos).
Na decisão, “discreto”, limitou-se a, cercado por três alemães no meio-campo, dar um passe magistral, perfeito, para Burruchaga decretar o 3 a 2.
Raras vezes um Mundial viu um jogador em tal plenitude.

Na Copa seguinte, na Itália, em 1990, Maradona não conseguiu por muito pouco, com companheiros menos capazes do que os de 1986, bisar o erguimento da Taça Fifa. Na final, deu Alemanha, 1 a 0.
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Antes, contudo, o craque eliminou o Brasil (treinado por Sebastião Lazaroni), nas oitavas de final.
Foi 1 a 0, e o gol foi de Caniggia, no segundo tempo, em um dos raríssimos ataques argentinos no jogo.
Mas a construção da jogada foi toda de Maradona, que antes de deixar o colega cara a cara com Taffarel passou, partindo do meio-campo, por Alemão, por Dunga, por Ricardo Rocha e tocou a bola entre as pernas de Mauro Galvão (que, desnorteado, trombou com Ricardo Gomes) para o companheiro, totalmente livre.
A jogada de Maradona durou seis mágicos segundos. De humilhar. E de aplaudir.
(Pode essa vitória ser considerada por Maradona uma vingança pessoal contra o Brasil, já que oito anos antes, na segunda fase da Copa da Espanha, ele jogou mal e ainda foi expulso por dar um coice em Batista na vitória brasileira por 3 a 1.)
Ver Maradona jogar (além de encantar pela seleção de seu país, brilhou intensamente na segunda metade dos anos 1980 no Napoli) era de causar devoção. E causou.
Não só em mim, mas em gente que chegou ao nível de fundar uma igreja, a Igreja Maradoniana, na Argentina, na qual as pessoas se juntam para celebrar o “Pibe de Oro” como se fosse um deus.
Pelé e Romário chamaram Maradona de “lenda” no dia em que ele nos deixa, um dia 25, uma quarta-feira de novembro, num ano de imensa tristeza, recheado de perdas, devido a uma pandemia que parece sem fim.
Maradona é mais que uma lenda. É um deus da bola. O melhor pós-Pelé. O melhor que vi jogar.
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