Sanção a Cavani por usar ‘negrinho’ faz Uruguai confrontar Inglaterra
Um dos dois grandes atacantes uruguaios dos últimos dez anos –o outro é Luis Suárez–, Edinson Cavani recebeu suspensão de três jogos da FA (Football Association, a federação inglesa de futebol) por ter escrito “gracias, negrito” (“obrigado, negrinho”) em uma rede social.
O atacante do Manchester United retribuiu com essas palavras o elogio de um amigo por sua atuação na vitória por 3 a 2 sobre o Southampton, no Campeonato Inglês, no dia 29 de novembro, quando Cavani fez dois gols.
O caso foi investigado pela FA, que considerou racista a frase do artilheiro de 33 anos que fez sucesso no Napoli e no Paris Saint-Germain e disputou três Copas do Mundo (2010, 2014 e 2018).
Além do “gancho” de três partidas, Cavani foi inserido em um programa educacional e recebeu uma multa de £ 100 mil (quase R$ 800 mil), da qual, mesmo discordando, preferiu não recorrer.
“Aceito a sanção disciplinar por ter desconhecimento dos costumes idiomáticos ingleses. (…) Peço desculpas se ofendi alguém com uma expressão de carinho a um amigo. (…) Meu coração está em paz.”
Se Cavani resignou-se, compatriotas dele não se resignaram.
A Associação Uruguaia de Futebol (AUF), a Academia Uruguaia de Letras e futebolistas uruguaios se pronunciaram. Houve críticas à FA e pedido para que a punição a Cavani fosse revogada –ele ficou até aqui fora de uma partida dos Diabos Vermelhos.
Comunicado de la AUF – 4/1/21
La @AUFOficial respalda a @ECavaniOfficial y exhorta a Football Association (@FA) a la revisión de la medida.
https://t.co/TMgx8dXVfd pic.twitter.com/8FEewCciV7
— Selección Uruguaya (@Uruguay) January 4, 2021
A AUF afirmou nesta segunda (4) que a federação inglesa falhou ao desconsiderar o contexto cultural do termo carinhoso usado por Cavani. De acordo com a entidade, o jogador “é uma pessoa de caráter e ética ilibados”.
Na sexta-feira (1º), a academia de letras considerara o fato uma injustiça e um exemplo da falta de conhecimento cultural e linguístico do futebol inglês. “No contexto em que foi escrita, a única acepção que se pode dar a negrito –e particularmente por causa do uso do diminutivo– é a de afeição.”
“A primeira regra na luta contra o racismo é respeitar as diferenças”, prosseguiu a Associação Uruguaia em seu comunicado. “Requeremos à FA que imediatamente suspenda a punição a Edinson Cavani para limpar seu nome e sua honra, que foram injustamente manchados.”
Luis Suárez, que atua pelo Atlético de Madrid, e outro colega de Cavani na Celeste, Diego Godín, hoje no Cagliari (Itália), também se revoltaram, emitindo um comunicado conjunto. Para eles, houve arbitrariedade, discriminação e ignorância da FA.
“Devemos condenar a conduta arbitrária da federação inglesa. Longe de combater o racismo, ela cometeu um ato discriminatório contra a cultura e o modo de vida do povo uruguaio. (…) Fazer a defesa de que a única interpretação válida é a que está na cabeça dos dirigentes da federação inglesa mostra na verdade uma atitude de discriminação, que é totalmente repreensível.”

Eis meu comentário. Defendo veementemente o combate a qualquer tipo de preconceito, e o racismo é um dos mais abjetos, porém nem sempre o uso de determinada palavra significa ofensa.
Quando eu era pequeno, lembro que algumas tias no interior paulista viviam chamando adultos e crianças de “nego”, de “neguinho” (“Vem cá, meu nego, me dá um abraço”; “Neguinho, conta pra mim essa história”, por exemplo), e não se dirigiam apenas a quem era negro, mas a qualquer um.
Claramente esse comportamento não era racista, e sim um tratamento amável, gentil. Todos entendiam assim. Não parecia anormal ou absurdo. Ninguém se sentia insultado.
Em sua carreira, Pelé era costumeiramente chamado de “crioulo” e de “negão” por companheiros do Santos e da seleção brasileira. Racismo? Na minha opinião, não. Era, sim, admiração e respeito dos colegas pelo Rei, que nunca reclamou dessas alcunhas.
“Se o Pelé tivesse a mídia que os caras [jogadores famosos] têm hoje, como é que seria o crioulo hoje?” Foi assim que Carlos Alberto Torres se referiu a Pelé, em tom elogioso, em entrevista que me concedeu há pouco mais de dez anos para falar sobre a Copa de 1970.
Termos que podem ser alusivos ao racismo, que podem incomodar quem é negro, devem, lógico, ser evitados e sistematicamente combatidos.
Mas é preciso que o bom senso prevaleça, que cada contexto seja considerado, que se saiba se a pessoa a quem a palavra ou frase é direcionada sente-se ofendida. Pois, se não se sentiu, a conclusão é que houve juízo de valor por um terceiro, o que é reprovável.
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Em tempo: Caso a FA, que não havia se pronunciado acerca da reação dos uruguaios, não modifique sua decisão, Cavani só voltará a atuar pelo Manchester United no dia 12, ficando fora dos jogos contra Manchester City, pela Copa da Liga Inglesa, e Watford, pela Copa da Inglaterra.
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