Clóvis Rossi, o (meu) Pelé dos jornalistas
Eu pretendia escrever sobre Messi, pois a Argentina estreia neste sábado (15) na Copa América, contra a Colômbia.
Dissertaria a respeito da excelente temporada do atacante do Barcelona (artilheiro da Champions League e vencedor da Chuteira de Ouro) e da importância de ele comandar a seleção de seu país ao título da competição no Brasil, a fim de encerrar o jejum de jamais ter ganhado algo com a seleção principal e, como consequência, ser eleito pela sexta vez o melhor jogador do mundo.
O texto sobre Messi esperará.
Este será dedicado a Clóvis Rossi, morto nesta sexta (14), que, torcedor do Barcelona de Messi, tinha em comum com o argentino, em sua área de atuação, a genialidade.
Pode haver quem discorde, mas para mim Rossi foi genial. Por quê?
Depoimentos de colegas meus de Folha (Fábio Zanini, Patrícia Campos Mello, Luciana Coelho, Vinicius Torres Freire, Angela Boldrini, Mariliz Pereira Jorge) ajudam a explicar, citando as faces profissional e pessoal dele.
Para mim, atenho-me ao que Rossi foi durante minha adolescência, quando já lia a Folha com avidez (dando ênfase à seção de esportes, logicamente, mas muita também ao noticiário político e internacional): referência de bom jornalismo.
Eu não era de guardar na cabeça os autores das reportagens, hábito criado só posteriormente, pouco antes de entrar na faculdade de jornalismo e consolidado durante o curso. Antes, eles se esvaíam facilmente da memória.
O nome Clóvis Rossi, porém, foi exceção. Lembrado e fixado, desde o início.
Seus textos/análises sobre política (tema atrativo, porém meio espinhoso) eram muito acima da média, pelo menos no meu ponto de vista, e criei o hábito de procurar, na página 2 do jornal (onde assinava coluna), e em outras mais adiante, as 11 letras que certamente me fariam ter uma leitura informativa, instrutiva, elucidativa, lúcida dos acontecimentos.
Virou uma espécie de ídolo, que me fez criar gosto pelo jornalismo e querer ser jornalista.
Se Pelé era o melhor da história do futebol (e para mim ainda é), Rossi era o Pelé dos jornalistas. “O” jornalista.
A admiração era tanta que, no primeiro ano de faculdade, ao receber a tarefa (se não estou errado, a aula era Técnica de Reportagem) de fazer uma entrevista com alguma personalidade, decidi ligar para a Folha e tentar marcar com Rossi.
Solícito, agendou um horário para a mesma semana, permitindo-se dar espaço a um reles estudante que iria tomar tempo dele na apuração de informações relevantes para os leitores ou na elaboração de uma coluna opinativa.
Era 1991 quando entrei pela primeira vez no prédio da Folha, o mesmo de onde escrevo este texto, e subi ao nono andar. Fui acompanhado do colega de faculdade e amigo Sérgio Teixeira Jr., que ao saber do meu encontro com Rossi não quis deixar de estar presente – era tão ou mais fã do entrevistado que eu.
Ao nos receber, do alto de seus quase 2 metros, com a barba e os óculos tão peculiares, disparou enérgico: “Então, quem vocês trouxeram para debater comigo?”.
Não tinha. Éramos só nós, calouros que almejávamos um dia, quem sabe, trabalhar no mesmo jornal que ele – o que conseguimos.
Não me recordo bem da entrevista, que versou muito sobre o então presidente Fernando Collor e infelizmente acabou perdida em meus arquivos depois de muito bem avaliada pelo professor.
O que ficou para sempre foi esta frase: “Jornalismo é 1% de inspiração e 99% de transpiração”. E, se Rossi assim pregava, então deveria ser lei.
Uma frase que, ao longo de mais de 25 anos de estrada no jornalismo, eu diria até inconscientemente, pratiquei. Esforço contínuo pela melhor apuração, pela melhor redação, pela máxima clareza, pela máxima precisão.
Apesar da admiração, nunca fui próximo a Rossi, pelo contrário. Falei raríssimas vezes com ele, possivelmente porque as áreas de atuação (esporte, a minha; política, mundo e economia, a dele) não convergiam. Cada um estava devidamente ocupado com suas searas.
Sempre soube, contudo, da paixão dele por futebol – trabalhou em Copa do Mundo, inclusive. E que era atento e curioso a tudo do esporte, sempre.
Um dia, em abril do ano passado, escreveu-me pela primeira vez sugerindo tema para o blog: “Caro Luís, a coluna abaixo saiu hoje no Guardian e é uma história interessante, talvez, para seu futebol no mundo: o juiz deu pênalti cinco minutos depois de ter apitado o fim do primeiro tempo, quando parte dos jogadores já estava no vestiário (foi alertado pelo tal VAR). Abs. Rossi”.
Ao que respondi, feliz pela lembrança em relação a O Mundo É uma Bola e também por estar ligadíssimo no que chamava a atenção dele, o árbitro de vídeo: “Caro Rossi. Gratíssimo pela recomendação. Eu tinha ficado a par do caso e publiquei hoje, logo cedo, um texto a respeito“.

Tive ainda o privilégio de, no começo da Copa do Mundo de 2018, dividir com ele (e com Uirá Machado, tendo ainda a participação por vídeo de Diogo Bercito) uma mesa de debates para falar a respeito da primeira partida do Mundial (Rússia 5 x 0 Arábia Saudita), no bem-humorado programa Salada Russa.
Deveria ter-lhe dito que eu só estava ali por ter sido muitíssimo influenciado por ele, o (meu) Pelé do jornalismo.