O VAR é como um jogador grosso, está sempre atrasado no lance
Tão aclamada pelos defensores da justiça no futebol, a videoarbitragem já pode ser considerada responsável por um momento folclórico do esporte bretão.
O momento em que, para atender ao desejo da inexpugnável tecnologia, os jogadores de dois times tiveram de ser resgatados dos respectivos vestiários, no intervalo na partida, para dar prosseguimento a um primeiro tempo encerrado pelo árbitro de campo.
Aconteceu na Alemanha, nesta segunda (16), em Mainz x Freiburg, na Bundesliga, a divisão de elite germânica.
Depois de um ataque malsucedido do Mainz, o juiz Guido Winkmann terminou a primeira etapa, dando a mandante e visitante o sinal para o recolhimento aos vestiários, para o tradicional descanso de 15 minutos.
Mas o videoárbitro decidiu não descansar. Mais precisamente, a videoárbitra.
Da central de controle na cidade de Colônia, a 180 km do local da partida, Bibiana Steinhaus, célebre por ter sido a primeira mulher a arbitrar na Bundesliga, deu o alerta ao colega Winkmann: assista àquele último lance, veja se não foi pênalti.
Dito e feito. Já com o campo esvaziado, ele decidiu ver o replay da jogada em que o lateral Brosinski cruzou uma bola, que, desviada, acabou rebatida pelo goleiro Schwolow.
E eis que Winkmann viu o que nem ele nem um dos bandeirinhas, o que acompanhava o ataque do Mainz, havia visto. O desvio foi no braço do zagueiro Kempf, do Freiburg.
Então o que acontece? Pênalti! Com o jogo no intervalo, o árbitro marca a penalidade máxima, após o auxílio do sistema VAR (video assistant referee). Algo inédito no mundo da bola.
Mas e agora? Cadê os jogadores? Não estavam mais por perto. Corre lá chamá-los…
Os do Mainz, o time beneficiado, logo se prontificaram a voltar. Os do Freiburg, surpreendidos com a má notícia, nem tanto.
Meio a contragosto, retornaram, questionando a decisão de Winkmann, que lhes dava a explicação.
Decisão que, mesmo que tenha sido acertada (parece que foi intencional o toque irregular de Kempf na bola), é difícil de engolir.
Declarou Jochen Saier, diretor esportivo do Freibug, ao canal Eurosport: “Pensávamos que, quando soa o apito para o intervalo, os primeiros 45 minutos estão encerrados. Não foi o caso. As coisas estão ficando estranhas”.
Sim, estão.
Já escrevi antes, não sei o que pode acontecer na Copa do Mundo da Rússia, mas que o VAR roubará a cena, disso eu não tenho dúvida.
O futebol não está acostumado com esse tipo de situação, terá de se acostumar.
Isso é bom? Eu não acho.
Prefiro ver o ineditismo protagonizado por um jogador (na originalidade, inventando um drible diferente), ou por um treinador (na estratégia, utilizando uma tática-surpresa que desestabilize o adversário), do que por equipamentos eletrônicos.
E ainda bem que há gente como Romualdo Arppi Filho, último árbitro brasileiro a apitar uma final de Copa (no México, em 1986), que concorda comigo.
Em reportagem publicada nesta terça (17) na Folha, ele disse em entrevista ao repórter Alex Sabino ser contrário ao VAR, especialmente devido ao tempo necessário para a tomada das decisões.
“Vai ter jogo com duração de 120 minutos. São três minutos para saber se foi ou não pênalti. O futebol sempre teve a questão humana. Se você elimina isso, não resta nada.”
O homem criou as máquinas para ajudá-lo a superar obstáculos, ajudá-lo a progredir.
No futebol, porém, quem parece progredir são só as máquinas, frias e insensíveis. Para prejuízo dos jogadores, que correm, suam, gritam, vibram, enfim, são o principal componente humano do futebol – junto com os torcedores.
Com o VAR, a justiça pode até não falhar (na teoria, pois na prática vai algumas vezes falhar, estou certo). Mas que tarda, tarda. E como tarda. Um tardar que causa perplexidade e aborrecimento.
Respeito quem pense de outra forma, mas que esse não é mais aquele futebol com o qual você e eu nos acostumamos a gostar (mesmo que com alguns erros da arbitragem), não é. Aquele futebol está declinando, morrendo, e rápido. O em ascensão, que se mostra vigoroso, é outro, é o “futecbol“.
E a tendência é piorar.
Repito o que disse Arppi Filho: “jogo de 120 minutos”. Um dia ele chegará (e não é aquele com prorrogação), e haja paciência.
A paradinha do futebol (artimanha usada nos pênaltis pelo cobrador astuto para levar vantagem sobre o goleiro, atualmente proibida) ganhou outro nome, curto (VAR) e grosso (lento, sempre atrasado no lance).
Aliás, paradinha não, paradona.
Até espanta que um “jogador” assim, que além de tudo custa muito caro, seja tão valorizado.
Em tempo 1: O argentino De Blasis, decorridos sete minutos do intervalo, correu, bateu… e converteu o pênalti marcado pelo VAR. No segundo tempo, o mesmo De Blasis fez mais um gol, e o Mainz ganhou por 2 a 0.
Em tempo 2: Haverá o leitor que me considere retrógrado, avesso à modernidade. Pode até ser. Mas convido-o a ler alguns dos textos em que há argumentos contra o VAR, a fim de se inteirar um pouco mais do tema: “Chefe da Uefa vê Copa da Rússia como cobaia para a videoarbitragem“; “Em três atos, videoarbitragem rouba a cena em amistoso do Brasil“; “Para dar certo, videoarbitragem terá de parar o jogo a cada lance de pênalti, o que estragará o futebol“; “Uso do vídeo para jogo da Copa das Confederações por 4min10s“; “Kaká faz desabafo polido contra a videoarbitragem“.
Em tempo 3: A Inglaterra, que testou em algumas partidas de Copas nacionais o VAR nesta temporada, ainda não confia nele, tanto que os clubes não concordaram em contar com a tecnologia no Campeonato Inglês 2018/2019. Os testes prosseguirão até que a maioria se convença de que ele mais elucida do que confunde.