Meia Cazorla, que viveu calvário, faz dois gols no Real Madrid
Há histórias de lesões feias no futebol. Histórias que remetem ao sofrimento da recuperação. Dor. Cirurgias. Dor. Fisioterapia. Dor.
Dor não só física, mas emocional. Dor de estar longe do esporte, dor que impede de fazer aquilo de que mais se gosta.
Santi Cazorla, de 34 anos, é protagonista de uma dessas histórias.
Bicampeão europeu com a Espanha (2008 e 2012), uma Copa do Mundo disputada (Brasil-2014), o meia armador ambidestro passou a ser um dos astros do Arsenal após ser contratado, em 2012.
Habilidoso, preciso nos passes, bom na bola parada e no chute a média distância com ambos os pés, fez a torcida se esquecer do compatriota Cesc Fàbregas, ídolo que deixara o clube inglês no ano anterior para atuar com Messi e companhia no Barcelona.
Além dos gols e das assistências, Cazorla era admirado por sua raça – o avesso do que é o alemão Özil no time. Notabilizava-se por sempre estar em movimento, por brigar pela bola em cada jogada, pela expressão facial contínua de “quero mais”.
Cazorla fazia a diferença no clube londrino. Quando jogava bem, e isso era frequente, o time crescia, e consequentemente cresciam as chances de vitória.
Com ele, os Gunners conquistaram duas Copas da Inglaterra (FA Cup) e duas Supercopas da Inglaterra (Community Shield), em 2014 e em 2015.
Tudo ia bem até a partida de 19 de outubro de 2016, pela Liga dos Campeões da Europa, contra o Ludogorets, da Bulgária, em Londres. No começo do segundo tempo, Cazorla sofreu uma lesão no tendão de Aquiles do pé direito.
Naquele instante, nem ele nem ninguém imaginava o quão fatídica ela seria. Não passaria por uma, nem por duas, nem por três cirurgias, mas por nove, no intervalo de pouco mais de um ano. N-o-v-e. Um verdadeiro calvário.
Uma infecção bacteriana, detectada tardiamente, corroeu o local (“comeu” o tendão, que ficou com oito centímetros a menos).
Teve de ser feito um transplante de pele do antebraço, e nisso o nome da filha (India), então tatuado no braço, ficou dividido, com metade das letras no membro superior, a outra metade no inferior.
Cazorla chegou a ouvir que deveria não se preocupar em voltar a jogar, mas em não perder o pé.
Conta que chegou a pensar em desistir, em parar, porém não o fez. Mudou da Inglaterra para a Espanha e se manteve firme no intuito de se recuperar.
O Arsenal, contudo, desistiu dele. Ao término da temporada 2017/2018, optou por não renovar o contrato e liberar o jogador.
Cazorla não considerou ingratidão. Agradeceu publicamente e, aos poucos, conseguiu retomar as atividades físicas.
Pôs-se novamente em forma e bateu na porta do Villarreal, clube que defendera de 2003 a 2006 e de 2007 a 2011 – era como se fosse sua velha casa.
O time apelidado de Submarino Amarelo o acolheu, aprovou-o na pré-temporada, e ele reestreou em uma partida oficial no dia 18 de agosto do ano passado, ou um ano e dez meses depois da grave contusão. Entrou aos 28 minutos do segundo tempo da derrota por 2 a 1 para a Real Sociedad, no Estádio da Cerâmica, campo do Villarreal.
Aos poucos ele retomou o ritmo e conquistou a titularidade. Até gol voltou a fazer, um na Liga Europa, em outubro (contra o Spartak, em Moscou), outro na Copa do Rei, em novembro (contra o Almería, em Almería).
Porém não balançara as redes no Cerâmica, a arena do Villarreal (até 2017 chamada de Madrigal), nem pelo Campeonato Espanhol, no qual o Villarreal luta para sair das últimas posições.
Isso até esta quinta (3), dia em que o estádio foi palco da melhor partida, em efetividade, que Cazorla fez desde o regresso.
Diante do poderoso Real Madrid, atual tricampeão europeu e mundial, ele abriu o placar, logo aos 4 minutos do primeiro tempo, com um chute forte e colocado com o pé um dia tido como estragado, sem defesa para Courtois.
O Real virou (Benzema e Varane), em um roteiro que pareceu armado para deixar para Cazorla o momento triunfal: aos 38 minutos do segundo tempo, bola erguida na área e ele, do alto de seu 1,65 m, cabeceou firme, para baixo, por entre as pernas do goleiro.
Palavras para descrever o ocorrido? Faltam-me.
Cito, então, títulos de textos de jornais e a declaração do próprio jogador.
“A noite com que sonhava Santi Cazorla” (Marca, Espanha)
“O sorriso de Santi Cazorla” (AS, Espanha)
“O milagre que viveu Santi Cazorla” (El Espectador, Colômbia)
“Después de los momentos que he pasado, marcar un doblete frente al Real Madrid con el @VillarrealCF es muy especial” — Santi Cazorla #VillarrealRealMadrid pic.twitter.com/Kv5p8YJtdP
— LaLiga (@LaLiga) 3 de janeiro de 2019