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Sir Alex Ferguson, lenda do futebol britânico, escanteia a morte

Pode acontecer com qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar.

Em um momento está tudo bem, você está só ou acompanhado, lendo um livro ou vendo TV, passeando, almoçando, batendo um papo… No momento seguinte, a dor súbita, aguda, insuportável.

Vem o desfalecimento, vem a perda dos sentidos; com sorte, vem o socorro.

Podia ter acontecido com qualquer um, porém no sábado passado, dia 5, aconteceu não com um qualquer.

Sir Alex Ferguson, escocês, 76 anos, uma das lendas vivas do futebol, estava à beira da morte na Inglaterra.

Um derrame cerebral o ameaçava. Socorrido, levado ao hospital, iniciou luta silenciosa pela sobrevivência. Passou por delicada cirurgia na cabeça, à qual seguiram-se horas e horas de tensão, de incerteza, e de muitas preces.

O planeta bola, especialmente técnicos e jogadores – Cristiano Ronaldo nesse rol –, parou e propagou pelas redes sociais mensagens de apoio a Fergie (como era chamado pelos mais próximos), quase todas na linha “seja forte”.

Houve grande comoção, afinal, parecia grande a possibilidade de um dos melhores treinadores da história repentinamente deixar o mundo dos vivos.

(Se houver uma enquete com jornalistas especializados para eleger o melhor, é bem possível que ganhe, superando Rinus Michels, que implementou o “futebol total” no início dos anos 1970, e José Mourinho e Pep Guardiola, tops neste século, entre outros.)

Ferguson permaneceu por 26 anos e meio no comando do Manchester United, um dos maiores clubes do mundo. Assumiu no fim de 1986, saiu no meio de 2013.

Mais tempo seguido que Arsène Wenger no Arsenal – o francês, no final do mês passado, anunciou que deixaria, após 22 anos, o cargo que ocupa desde 1996.

No estádio Old Trafford, Alex Ferguson cumprimenta Arsène Wenger antes de jogo pelo Campeonato Inglês entre Manchester United e Arsenal, o último entre os times antes de o treinador francês deixar a equipe de Londres (Paul Ellis – 29.abr.2018/AFP)

Levantamento da ESPN mostra que só três homens ficaram mais tempo treinando ininterruptamente um clube, todos, como Ferguson, no Reino Unido: Ronnie McFall, no Portadown, da Irlanda do Norte (30 anos, 1986 a 2016), Bill Struth, no Rangers, da Escócia (34 anos, de 1920 a 1954), e Willie Maley, no Celtic, também da Escócia (43 anos, de 1897 a 1940).

Nenhum deles, no entanto, conseguiu atingir o extremo sucesso de Ferguson. Foram 38 títulos, média de quase 1,5 por ano, sendo 32 deles no supercompetitivo futebol inglês.

Antes de Ferguson, o Man United, fundado em 1878, tinha sete títulos do Campeonato Inglês. Depois dele, e sempre com ele, ganhou 13.

Sob a batuta do treinador, os Red Devils criaram uma hegemonia e deixaram para trás Liverpool, Arsenal, Everton e Aston Villa. O Man United é o maior campeão nacional, com 20 conquistas – o Liverpool tem 18, o Arsenal, 13, o Everton, 9, e o Aston Villa, 7.

Disciplinador, exigente e determinado, Ferguson tinha uma capacidade tão grande de fazer o time funcionar, independentemente dos atletas que comandava (tirava o melhor tantos de figurões, como Cantona, Beckham, Giggs e Cristiano Ronaldo, como de um bando de medíocres), que depois que ele se aposentou o Man United decaiu consideravelmente.

Não ganhou mais o Inglês (o jejum já dura cinco anos, uma “eternidade”) e ficou fora duas temporadas (2015/2016 e 2016/2017) da Champions League por não conseguir se classificar.

O hoje ex-treinador, que apesar de durão também tinha o lado “paizão” (distribuía afagos aos jogadores que se mostravam comprometidos), faturou ainda com o Man United duas Ligas dos Campeões da Europa (1999 e 2008), uma Copa Intercontinental (contra o Palmeiras, em 1999), um Mundial de Clubes da Fifa (2008), uma Supercopa da Europa, uma Recopa europeia, dez Supercopas da Inglaterra, cinco Copas da Inglaterra e quatro Copas da Liga Inglesa.

Com tantas glórias, fica a questão que lembra o velho slogan do biscoito Tostines (vende mais porque está sempre fresquinho ou está sempre fresquinho porque vende mais?): Ferguson ganhou tanto porque ficou tanto tempo no Man United ou ficou tanto tempo no Man United porque ganhou tanto?

A conclusão lógica é: os dois.

Soube-se no decorrer da semana que Sir Alex sobreviveu ao terrível susto, encontrando-se agora em reabilitação.

E soube-se também que ele, ao acordar da cirurgia, recorreu ao humor britânico, uma de suas características, tendo perguntado antes de mais nada: “Quanto foi o jogo do Doncaster?”.

Queria saber o resultado da partida do time da terceira divisão comandado por um de seus filhos, que ocorreria no dia em que ele teve a hemorragia cerebral.

Deu, sem premeditar, a mais inconteste prova de amor ao futebol e, por tabela, à família – é casado há 52 anos com Cathy, com quem teve Darren (o técnico do Doncaster), Mark e Jason.

Leia também – Ferguson tinha um exército de escravos, escreve ex-jogador do Man United

Em tempo: Por que é Alex Ferguson é sir? Ele recebeu em 1999, da rainha Elizabeth 2ª, o título honorífico por seus serviços prestados ao futebol, tendo se tornado o primeiro britânico a conquistar, em uma única temporada, a Tríplice Coroa  continental (Champions League, Campeonato Inglês e Copa da Inglaterra). Primeiro e, até hoje, único. 

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