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O melhor Brasil de todos os tempos

Semanas atrás, procurando o que ver nos canais de esporte em meio à pandemia de coronavírus que paralisava, e ainda paralisa, os principais campeonatos de futebol pelo mundo, deparei-me com um programa na BandSports.

Chamado Time dos Sonhos, ele propunha, naquele capítulo, eleger a melhor seleção brasileira de todos os tempos.

Não o melhor 11 a atuar junto (o que levaria a uma disputa entre as cinco seleções campeãs mundiais), mas o 11 ideal, posição por posição, em uma equipe imaginária com os melhores entre os melhores.

Depois de o narrador –que falava em inglês, com tradução legendada– elencar oponentes em cada um dos setores do campo, chegou-se a esta escalação, no esquema tático 4-3-3:

Gylmar; Cafu, Carlos Alberto (capitão), Bellini e Roberto Carlos; Didi, Garrincha e Ronaldinho Gaúcho; Pelé, Ronaldo Fenômeno e Romário.

Na reserva: Taffarel, Lúcio, Dunga, Sócrates, Zico, Jairzinho e Rivaldo. Não foi escolhido um treinador.

Interessei-me do início ao fim pelo programa, questionando-me se as escolhas foram acertadas.

Algumas, não tive dúvida, eram óbvias; outras, evidentemente não, já que havia jogadores fora da posição de origem e encaixados erroneamente no esquema, que funcionaria se fosse um heterodoxo 4-1-1-4, com o meia Didi recuado para volante, Garrincha na frente e Ronaldinho sendo o segundo “1” do meio-campo.

Ronaldinho comemora seu gol contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 2002; o gaúcho fica fora da minha seleção brasileira ideal (Antonio Scorza – 21.jun.2002/AFP)

A colocação de Carlos Alberto na zaga central não faz sentido. Ele até atuou nessa posição pelo Santos, com bom desempenho, mas na seleção atuava na lateral direita.

Bellini, o capitão do primeiro título mundial, em 1958, era o beque pelo lado direito, não pelo lado esquerdo –o quarto-zagueiro daquele time era Orlando.

Isso exposto, o exercício de montar uma seleção que combine os melhores dentro de um esquema tático aceitável é tão divertida quanto difícil.

Até porque eu só vi jogar as seleções brasileiras formadas a partir do início dos anos 1980, quando, aos 8 anos, comecei a acompanhar futebol com grande interesse. As de antes, só conheci por videoteipes ou por leituras de suas atuações, coletivas e individuais.

No gol, a disputa é mesmo entre Gylmar e Taffarel. Marcos, o São Marcos, campeão mundial em 2002, correria por fora, sem chance de vitória.

Ouvi maravilhas de Gylmar e vi Taffarel fazer maravilhas. Usarei como critério de desempate os títulos em Copas do Mundo: 2 a 1 para Gylmar.

Na lateral direita, a disputa é árdua, duríssima. Cafu, o capitão do penta, ou Carlos Alberto, o capitão do tri?

Jorginho, campeão em 1994, também era excelente, tão bom como Cafu, que conseguiu, devido ao preparo físico excepcional, prolongar sua titularidade com a camisa amarela.

Há ainda o bicampeão Djalma Santos (1958, quando atuou só na final, e 1962), grande ídolo de Palmeiras e Portuguesa.

Pelo gol na final do Mundial de 1970, o que fechou a goleada por 4 a 1 na Itália, eu fico com Carlos Alberto, a quem dou, de quebra, a tarja de capitão.

Carlos Alberto Torres ergue a Taça Jules Rimet no estádio Azteca, depois da final da Copa de 1970; na minha seleção, ele é o lateral direito e o capitão (21.jun.1970/Divulgação)

Zagueiro central. Bellini fica com essa vaga, por ter sido o primeiro capitão campeão do mundo pelo Brasil. Na reserva dele eu colocaria Aldair, do time de 1994: sério, seguro, técnico.

Na quarta zaga, pode parecer incrível, mas não há um nome que se destaque imensamente.

Os campeões mundiais na posição (Orlando, Zózimo, Piazza, Márcio Santos) eram muito bons, mas não sensacionais –em 2002, o Brasil atuou com três zagueiros (Lúcio, Roque Júnior e Edmilson), então essa posição inexistiu.

Pelo entrosamento com Bellini, e pelo estupendo desempenho com a camisa da seleção (uma única derrota em 34 partidas), opto por Orlando, campeão em 1958.

Na lateral esquerda, Roberto Carlos ou Nilton Santos?

O preparo físico do primeiro era invejável, assim como o potente chute de canhota. Mas há de se valorizar o segundo, que jamais arrumou o meião em lance que selou o destino da seleção –eliminação na Copa de 2006.

A Enciclopédia do Futebol, ademais, tem um título mundial a mais: 2 a 1. Nilton Santos leva essa vaga? Pela lógica, sim. Mas tenho de ficar com Roberto Carlos devido ao esquema em que minha seleção jogará.

No meio, a vontade de abrir mão de um volante é imensa, tamanha a fartura de meias extraordinários que o Brasil produziu e que vestiram o uniforme da seleção.

Resistirei. Zito, Clodoaldo ou Dunga? Para mim, os competentes Silvas (Mauro, em 1994, e Gilberto, em 2002) estão um patamar abaixo.

Nunca gostei muito do futebol de Dunga, o capitão do tetra. Durão a cada jogo, porém igualmente duro de ver jogar. Eficiente, porém enfadonho. Combatividade infinita, criatividade ínfima.

O santista Clodoaldo fez gol em semifinal de Copa do Mundo, em 1970. O santista Zito fez gol em final de Copa do Mundo, em 1962, além de ter sido campeão quatro anos antes. Zito leva.

O desejo de completar o meio de campo com Sócrates e Zico, ídolos na Copa de 1982 deste que aqui escreve, é imensa. Foram os melhores que vi na minha infância e início de adolescência, tendo atuado também na Copa de 1986.

Capitão do Brasil, Sócrates disputa a bola com o neozelandês Dods na Copa de 1982, na Espanha; não há espaço para o Doutor no meio da seleção que escalei (Jorge Araújo – 23.jun.192/Folhapress)

Só que a concorrência é ingrata. O Doutor tem a de Didi, o Príncipe Etíope, inventor da folha-seca (fez gol assim na Copa da Suécia), bicampeão do mundo. O Galinho, a de Pelé, o Rei do Futebol, tricampeão do mundo, o melhor da história.

As camisas 8 e 10 são deles, de Didi e de Pelé, respectivamente. A Gerson, Ronaldinho Gaúcho, Rivellino, Rivaldo e alguns outros, as minhas sinceras desculpas –e o banco de reservas.

Na frente, o ponta direita Garrincha, com suas pernas tortas, está no rol dos gênios do futebol. Com ele e Pelé juntos, o Brasil jamais conheceu uma derrota (36 vitórias em 40 jogos). Sem ele, o Brasil não ganharia a Copa de 1962.

As vagas restantes são de Romário e de Ronaldo. Mais que artilheiros, foram deuses da bola.

O primeiro, nunca vi, e acho que não verei, alguém tão letal dentro da área. Parecia que a bola procurava o Baixinho. E ele não desperdiçava. A Copa de 1994 devemos a ele, que destoou em um time essencialmente burocrático.

Assim como devemos a Copa de 2002 ao segundo, autor dos dois gols na final contra a Alemanha.

Dono de um arranque e de uma explosão física extraordinários, somadas à habilidade e à precisão nas conclusões, o Fenômeno ainda tem uma das mais marcantes histórias de superação no esporte.

Horas antes da final da Copa de 1998, sofreu uma crise nervosa que não o tirou do jogo contra a França por muito pouco. Foi a campo visivelmente fora de condições, e o Brasil levou de 3 a 0 da França.

Em 1999 e 2000, amargou lesões no joelho direito, uma delas gravíssima, e encarou uma recuperação de quase dois anos. Duvidavam dele. Ele dizimou as dúvidas.

Me dói deixar Vavá, o Peito de Aço, autor de dois gols na final da Copa de 1958 e de um na final da Copa de 1962, de fora. Conviverei com essa dor.

Há outros excepcionais atacantes que ficam fora pela mais pura falta de espaço: Friedenreich, Leônidas da Silva, Jairzinho, Tostão, Careca, Neymar.

Ronaldo Fenômeno e Romário, os meus eleitos para formar a dupla de ataque, se divertem em treino da seleção na Noruega (Cornelius Poppe – 28.mai.1997/Reuters)

Os 11 estão escolhidos, falta decidir o esquema.

No papel, um 4-3-3: Gylmar; Carlos Alberto (capitão), Bellini, Orlando e Roberto Carlos; Zito, Didi e Pelé; Garrincha, Ronaldo e Romário.

Na prática, falta nesse time um ponta esquerda –Pepe, Canhoteiro e Zagallo merecem menções honrosas.

Sem essa figura, o lateral Roberto Carlos ganha liberdade para avançar, o que fez com a qualidade e eficiência de poucos. Zito faz a cobertura pela esquerda.

Didi joga armando pela direita, mais recuado, e Pelé e Ronaldo voltam para receber e disparar com a bola, envolvendo os rivais com suas fintas.

Pela direita, que Garrincha faça suas diabruras, deixando pelo caminho os “Joões” –ele chamava de João qualquer que fosse seu marcador. E que cruze dezenas de bolas para a área, onde ela sempre achará Romário, ou Ronaldo, ou Pelé.

Carlos Alberto pode até avançar para apoiar Garrincha, mas só irá se necessário. E se necessário pode, pois sabia jogar de beque, formar um trio com Bellini e Orlando.

Na divisão por Copas ganhas pelo Brasil, essa seleção tem sete integrantes da de 1958, na Suécia (Gylmar, Bellini, Orlando, Zito, Didi, Pelé e Garrincha), seis da de 1962, no Chile (Gylmar, Bellini, Zito, Didi, Pelé e Garrincha), dois da de 1970, no México (Carlos Alberto e Pelé), um da de 1994, nos EUA (Romário), e dois da de 2002, na Coreia/Japão (Roberto Carlos e Ronaldo).

Ou seja, individualmente, 1958 e 1962 superam, com folga, 1970, o que se mostrou um tanto surpreendente para mim. Coletivamente, contudo, a melhor equipe foi a do tri. Insuperável na eficiência e no encaixe das peças.

E o técnico para comandar esse esquadrão? Vicente Feola, o de 1958? Aymoré Moreira, o de 1962? Zagallo, o de 1970? Carlos Alberto Parreira, o de 1994? Luiz Felipe Scolari (Felipão), o de 2002?

Nenhum deles.

Meu comandante perdeu em 1982. Perdeu em 1986. Mas perdeu jogando lindamente.

Ninguém, absolutamente ninguém, conseguiu implantar na seleção brasileira, antes ou depois, um futebol arte tão mágico e tão encantador como Telê Santana.

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