Como pessoa, Maradona é desprezível, diz juiz da final da Copa de 1990
É uma das cenas que mais me marcaram ao ver um jogo de futebol pela TV.
Antes de a bola rolar na final da Copa de 1990, na Itália, a torcida vaiava intensamente o hino da Argentina, adversária da Alemanha naquela noite no estádio Olímpico de Roma –tarde no Brasil.
A câmera passou por cada jogador argentino até chegar ao último da fila, Diego Maradona, o capitão da equipe alviceleste, que vestiu camisa azul-escura na decisão.
Colérico com o comportamento hostil dos torcedores, o camisa 10 falava, olhar no horizonte: “Hijos de p…, hijos de p… (Filhos da p…, filhos da p…)”.
Maradona era ídolo do Napoli, por quem tinha sido campeão italiano naquele ano e em 1987, então por que tanto ódio dos torcedores a ele?
Porque a idolatria era localizada: Nápoles amava Maradona; o resto da Itália não tinha paixão por ele. E porque “El Pibe de Oro” esbanjou alegria e satisfação, mais do que se imaginava, depois da semifinal, quando a Argentina eliminou, na disputa de pênaltis, a anfitriã.
Com a Itália fora, os torcedores que já tinham adquirido ingressos para a final, majoritariamente italianos, foram ao estádio com dois objetivos: 1) torcer para a Alemanha vingar a derrota da Itália na semifinal e 2) provocar, xingar, atormentar Maradona.

Por suas ofensas ao público durante o hino, mesmo antes de a final ser iniciada, o astro argentino poderia ter sido expulso. Não o foi por complacência do árbitro uruguaio, de cidadania mexicana, Edgardo Codesal.
“Eu o chamei na hora de sortear [quem começaria a partida com a bola] e disse: ‘Estamos em uma final de Copa de Mundo, e você é o melhor jogador do mundo. Acalme-se e jogue futebol’. Ele ignorou [e repetiu]: ‘Esses filhos da p…’. Poderia tê-lo expulsado. Repensei devido ao jogador que ele era”, disse o ex-árbitro em entrevista a uma rádio uruguaia.
Para quem assistiu ao jogo, pareceu claro que Maradona não conseguiu se tranquilizar. Ele esteve longe de brilhar –toda a Argentina, aliás, jogou pessimamente– e pelo menos uma vez mais esteve muito perto de receber o cartão vermelho.
Foi aos 20 minutos do segundo tempo, quando o zagueiro Monzón foi expulso. Descontrolado, Maradona aproximou-se e disse a Codesal, segundo este: “Já sabíamos que isto seria um assalto! Que a Fifa escalou você para que não ganhássemos a partida!”.
“Ali eu também poderia tê-lo expulsado. Relevei de novo pelo que ele era como jogador”, afirmou Codesal. “Como pessoa? É uma das piores que conheci na vida.”
A Argentina não ganhou mesmo o jogo. O árbitro marcou um pênalti, considerado por muitos duvidoso (não por ele), de Sensini em Völler, aos 38 minutos. Brehme bateu, converteu, e a Alemanha do técnico Beckenbauer venceu por 1 a 0 e faturou a Taça Fifa.
A equipe argentina, que havia derrotado os alemães quatro anos antes, na decisão da Copa no México, teve ainda outro atleta expulso antes do apito final em Roma, o atacante Dezotti.

As declarações de Codesal, que hoje tem 68 anos, foram alvo de ataques pesados de fãs de Maradona nas redes sociais, conforme ele mesmo relatou.
“Houve insultos e desejos de que meu filhos e netos morressem de Covid-19 porque eu disse que Maradona era desprezível. Veja a definição [de desprezível]: não é digno de apreciação e de estima. E para mim ele não é. Foi um jogador brilhante, mas como pessoa é desprezível.”
Ao longo dos 30 anos que se passaram desde aquele revés da Argentina, o temperamental, falastrão e passional Maradona, hoje treinador, sempre que pôde tratou de lembrar a partida como um roubo, despejando toda a culpa na figura do juiz.
Em uma das mais recentes, ao chegar a Querétaro, no México, com o Dorados, time que comandou em 2018 e 2019.
Um repórter lhe disse: “Sabe que Codesal mora aqui?”. Ao que Maradona retrucou: “Não, não sabia que aqui era uma terra de ladrões”.
Codesal continua no México, país em que vive há 40 anos. É ginecologista e professor de medicina em uma universidade de Querétaro, na região central do país.
Maradona, um dos maiores gênios do futebol como jogador, voltou à Argentina e dirige atualmente o Gimnasia y Esgrima, da cidade de La Plata.