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Fã de Cruyff, novo técnico do Barcelona jogou xadrez com Kasparov

Causou certa surpresa a decisão do Barcelona de demitir, no meio da temporada, o treinador Ernesto Valverde, de 55 anos.

A decisão mostra que o nível de exigência no Barça está altíssimo, um dos maiores já vistos.

Para permanecer no cargo não bastaram a Valverde, desde que chegou ao clube na metade de 2017, procedente do Athletic Bilbao, conquistar os dois Espanhóis que disputou (2018 e 2019), a Copa do Rei e a Supercopa da Espanha de 2018, além de estar na liderança no atual campeonato nacional.

Eliminações em duas Champions League, para Roma (2018, nas quartas de final) e Liverpool (2019, nas semifinais), aliadas ao vice na Copa do Rei de 2019 (ante o Valencia) e a queda na semifinal da Supercopa da Espanha, há alguns dias, em derrota de virada para o Atlético de Madrid, falaram mais alto e resultaram na saída do treinador, que tinha contrato até 2021.

Também causou certa surpresa o anúncio do substituto, o também espanhol Enrique “Quique” Sétien, de 61 anos, que em uma carreira de quase 20 anos –começou em 2001– treinou somente equipes modestas, todas da Espanha.

Antes do Barcelona, Sétien comandou, nesta ordem, Racing Santander (clube de sua cidade natal pelo qual jogou por nove anos), Poli Ejido, Logroñés, Lugo, Las Palmas e Betis. E, até por ter pé de obra de qualidade bastante limitada, jamais ergueu um troféu.

Como jogador, teve carreira menos obscura. Foi um meia competente, que fazia gols com certa frequência.

Usar o adjetivo competente, aliás, talvez seja diminuir o ótimo futebol dele. De um jogador de Copa do Mundo.

Em 1986, quando estava no Atlético de Madrid, foi convocado pelo técnico Miguel Muñoz para a Copa do México. Ficou, contudo, na reserva em todos os cinco jogos da Fúria, não jogando sequer um minuto.

Destacou-se, depois de pendurar as chuteiras, no futebol de praia, no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, integrando a melhor geração da história da Espanha, que ficou com o bronze no Mundial de 2000 e a prata no de 2003, ambos disputados no Rio de Janeiro.

Mas por que, então, com esse currículo pouco respeitável na prancheta, Sétien atraiu os olhares do Barcelona?

Vejo dois motivos.

O primeiro: ele sempre se declarou um admirador do estilo de jogo que o holandês Johan Cruyff (1947-2016) impunha quando treinou o Barça, de 1988 a 1996, com muita posse de bola e trocas constantes de passes, que posteriormente foi seguido, neste século, por Pep Guardiola.

Um futebol atraente, técnico, vistoso (e quase sempre eficiente), que está no DNA do Barcelona e é aprendido e executado pelos atletas do clube desde as categorias de base.

O holandês Johan Cruyff, a quem Quique Sétien tem como exemplo de técnico que praticou o futebol bem jogado, durante treino do Barcelona (Gustau Nacarino – 17.mai.1996/Reuters)

O segundo: o Betis de Sétien foi o único time que, de 10 de setembro de 2016 (dia de Barcelona 1 x 2 Alavés) até a presente data derrotou o Barcelona no estádio Camp Nou, na capital da Catalunha, pelo Espanhol (La Liga). No dia 11 de novembro de 2018, venceu Messi, Suárez, Piqué e companhia por 4 a 3.

Nas demais 63 partidas no período de três anos e quatro meses, o Barcelona ganhou (53) ou empatou (10) em sua casa pela Liga.

O resultado do Betis tornou-se, assim, uma espécie de aberração, algo tremendamente marcante, e o treinador a ser lembrado pelo feito foi, e é, Sétien.

Com o novo técnico, o Barcelona está ciente de que terá no comando um técnico que, além de prezar pelo futebol bonito, é bastante sereno, avesso aos gritos e à impulsividade.

Mas como ele pode ser assim, já que o apelido que tem (Quique) significa irritadiço, zangado, irascível?

Na verdade, Sétien sempre foi tranquilo. Quique, no caso dele, é tão somente o diminutivo de Enrique, seu nome.

O treinador afirmou ter incorporado a capacidade de analisar tudo calmamente ao estudar e praticar desde a infância o jogo de xadrez, do qual foi tão apreciador que chegou a enfrentar os grandes mestres e campeões mundiais soviéticos Garry Kasparov e Anatoli Karpov, na segunda metade da década de 1980.

Garry Kasparov, nascido no Azerbaijão, uma da ex-repúblicas da União Soviética, é um dos melhores enxadristas da história (24.out.2000/AFP)

“Foi em um desses desafios em que eles jogavam contra 30 competidores [simultaneamente]. Uma experiência fantástica. E depois do jogo ainda fomos jogar um pouco de futebol”, declarou Sétien em entrevista publicada em 2017 pela organização Beach Soccer Worldwide, de futebol de praia.

“[Taticamente] há algumas semelhanças [entre o futebol e o xadrez], no sentido de ter o objetivo de dominar o tabuleiro, o gramado. Quem dominar o campo ou o tabuleiro tem grande chance de ganhar a partida.”

A estreia de Sétien pelo Barcelona está prevista para este domingo (19), no Camp Nou, contra o Granada, décimo colocado no Espanhol, às 17h (horário de Brasília), noite na Espanha.

Em tempo 1: Quique Sétien não foi a primeira opção do Barcelona para substituir Ernesto Valverde. O clube tentou Xavi, campeão mundial com a Espanha em 2010 e ex-meia do time, que preferiu honrar o contrato que tem com o Al Sadd, do Qatar.

Em tempo 2: Além de ter treinado seis clubes, Sétien teve uma passagem relâmpago, de apenas uma partida, pela Guiné Equatorial. Dirigiu a seleção africana contra Camarões, em outubro de 2006, pelas eliminatórias da Copa Africana de Nações, e levou uma surra de 3 a 0.

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