Futebol perde Cruyff, o mais reluzente dos cavalos do Carrossel Holandês

Luís Curro

Não vi Johan Cruyff jogar.

Quando a revolucionária Holanda que o tinha como principal expoente atingiu seu auge, a decisão da Copa do Mundo de 1974, na então Alemanha Ocidental, eu tinha pouco mais de um ano.

Foi no início da década de 1980 – quando, ainda garoto, assistia pela TV à Copa de 1982, na Espanha, e me encantava com o Brasil de Zico, Sócrates e Falcão – que li pela primeira vez a respeito do Carrossel Holandês (na revista “Placar”), e isso aguçou minha imaginação e despertou minha curiosidade.

Carrossel, afinal, era brinquedo de parque de diversões. Uma engenhoca com cavalinhos de madeira que subiam e desciam, ritmadamente. Andavam em círculos.

De fora, quem olhasse muito e fixamente, era possível ficar tonto.

Quase não havia vídeos disponíveis (a internet estava “a anos-luz” de existir e a TV não era pródiga em exibir ducumentários sobre futebol), e só mesmo pelas leituras era possível entender a razão.

Aquela Holanda, de fato, divertia. Era lúdica, contrariava o pragmatismo do chamado “futebol força”. Cruyff era o mais talentoso de um bando de revolucionários que ousou, sob a orientação do treinador Rinus Michels (1928-2005), pôr em prática o “futebol total”.

Não havia posição fixa. Do lateral direito ao ponta esquerda, os jogadores se movimentavam freneticamente pelo campo, tocavam a bola rapidamente, enlouquecendo os adversários e deixando-os abobalhados, perdidos, aturdidos. Tontos.

E não é que funcionava? Os gols saíam, um após o outro.

Dentro dessa magia coletiva, Cruyff dava um toque de individualidade. Era o cavalo mais reluzente do Carrossel. Pensava sempre um segundo mais rápido, e essa velocidade no raciocínio o fazia mais inteligente. Era também intuitivo e objetivo. Esbanjava classe. Enfim, destoava.

Estaria tudo isso exacerbado pelo meu imaginário? Os que puderam ver Cruyff atuar, não apenas na seleção holandesa, mas no Ajax de Amsterdã e no Barcelona da Espanha (times que ele dirigiu posteriormente como treinador), dirão que não, dirão que ele foi isso e muito mais.

Depois de Pelé, há na minha lista de imortais do futebol uma série de gênios: Maradona, Puskás, Di Stéfano, Beckenbauer, Zidane – entre os brasileiros, vários, como Garrincha, Romário e Ronaldo Fenômeno. Messi caminha para entrar nela. E, nela, Cruyff é “top 5”.

Talvez seja impossível expressar com palavras o significado dessa perda – Cruyff morreu nesta quinta (24), aos 68 anos, em decorrência de um câncer no pulmão. É daquelas perdas para deixar o futebol de luto não apenas hoje ou amanhã. Para sempre.