A tarde em que Pelé fez seu mais belo gol e criou o soco no ar
Há exatas duas semanas, Pelé, o atleta do século 20, completou 79 anos.
Não houve grande alarde, não se soube de festa ou de algum evento comemorativo na data de 23 de outubro.
Edson Arantes do Nascimento, mineiro de Três Corações, anda com a saúde longe dos 100% já faz um bom tempo.
Apenas neste ano, teve de ser internado para tratar de uma infecção urinária e submeteu-se a cirurgia para retirada de um cálculo renal.
A locomoção do melhor camisa 10 que o futebol conheceu – não há Maradona, Platini, Zico, Puskás, Zidane ou mesmo Messi que lhe façam sombra – anda prejudicada há vários anos, e a bengala vem sendo sua companheira há mais de três.
A dor, infelizmente, tem sido mais companheira dele até que a bengala.
Pelé sofre com problemas no quadril, tendo passado por duas cirurgias ali, uma malsucedida, em 2012, e outra em 2016.
Para quem o viu, no campo ou pela TV, ao vivo ou em videoteipes, esbanjando vigor, velocidade, intensidade, força, pois Pelé, além de gênio tecnicamente, era energia pura, tê-lo visto de muletas ou em uma cadeira de rodas – como no sorteio dos grupos para a Copa do Mundo de 2018, no fim de 2017, quando ganhou um beijo de Maradona – é triste, de escorrer lágrimas.
Contudo a ideia deste texto não é levar o leitor ao desconsolo – quiçá ainda não o tenha feito – em relação a Pelé, mas sim fazê-lo saber, ou relembrar ao que já sabe, de um dos mais marcantes momentos da história do tricampeão mundial com a seleção brasileira (1958, 1962 e 1970), a primeira vez com apenas 17 anos.
Aconteceu faz 60 anos.
No dia 2 de agosto de 1959. No estádio Conde Rodolfo Crespi. Na rua Javari. No bairro da Mooca. Na zona leste de São Paulo. Numa partida vespertina. Num domingo.
Pelé tinha 18 anos quando marcou o gol tido como o mais bonito de sua carreira e, segundos após o feito, criou a mais célebre comemoração do futebol: o soco no ar.
A partida era Juventus x Santos, pelo Campeonato Paulista, e a principal estrela do time visitante comandava a equipe litorânea para mais uma esperada vitória – seria 4 a 0.
Pelé abriu o placar aos 24 minutos do primeiro tempo e ampliou aos 7 minutos do segundo.
Só que a pequena, porém barulhenta, torcida juventina – eram cerca de dez mil, segundo os relatos da época, sob uma insistente garoa –, em vez de se render à majestade de Pelé, decidiu hostilizá-lo. A cada toque na bola, vaias e apupos, incessantes. Mais, e mais, e mais.
Não deviam.
Em uma rara tentativa de ataque do Moleque Travesso (apelido do Juventus), que nesse dia deixou as travessuras nos armários do vestiário, o Santos roubou a bola e partiu para o contra-ataque.
O ponta-direita Dorval avançou e lançou a bola na direção da entrada da área, onde estava Pelé, marcado de perto por um rival.
E então aconteceu.
Sem deixar a bola quicar, Pelé deu uma meia-lua (drible da vaca) em Julinho.
A bola pingou (seria a única vez no lance de cinco segundos), e Pelé deu um chapéu em Homero.
Sem deixar a bola cair, outro chapéu, dessa vez em Clovis.
Ainda com a bola no ar, tendo-a apenas amortecido no joelho, chapelou o goleiro Mão de Onça, que caiu de cara no campo enlameado.
Grand finale: sem que a bola pingasse, tocou de cabeça, da entrada da pequena área, para as redes.
Só isso já bastaria para eternizar o lance, mas não. Para extravasar seu inconformismo com os torcedores, Pelé saltou e socou o ar diante dos juventinos, desabafando.
Ele mesmo relembrou o momento em entrevista à TV do Santos, veiculada em 2014.
“Às vezes a gente fazia uma jogada que não dava certo e o pessoal vaiava os jogadores do Santos. E aí, quando eu fiz o gol, eu fui pra torcida e dei um soco no ar. Foi uma coisa espontânea. Saiu o gol, e eu fui lá: ‘Tá vendo?!’.”
Torcedores boquiabertos e admirados, sob a fina garoa na Javari, aplaudiram Pelé de pé. Por minutos.
Porém não só eles.
Os próprios jogadores do Juventus, depois de se entreolharem embasbacados, bateram palmas respeitosamente e, antes do reinício do jogo, foram até o 10 santista para cumprimentá-lo.
Esse lance, lastimavelmente, não teve registro em vídeo, e uma reconstituição teve de ser feita por computador. Ela está no documentário “Pelé Eterno” (2004), de Aníbal Massaini Meto.
Uma obra-prima que merece ser vista, relembrada e comentada sempre, pois simboliza fielmente toda a magia e excelência de Pelé. Que, de quebra, ainda “criou” o soco no ar.
Não sei por quanto mais tempo Pelé estará entre nós, pois a idade avança e o corpo padece, porém encerro da forma mais desejosa e sincera, mesmo longe de ser a mais original: vida longa ao eviterno rei do futebol!
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Em tempo: Dorval, que cruzou a bola para Pelé pintar seu maior golaço (há quem considere terem sido quatro os chapéus no gol, mas foram, conforme descrito, três e meio), foi quem fez o outro gol do Santos, o terceiro, na goleada por 4 a 0 no Juventus.