Ser ladrão no futebol pode, mas só para roubar a bola
“Ladrão!”
Quem joga futebol – eu felizmente ainda tenho energia para bater uma bolinha com colegas de três a quatro vezes por mês – já ouviu isso dezenas de vezes dentro do campo.
Veja: escrevi dentro do campo. De fora, da torcida, os brados de “ladrão!”, direcionados ao árbitro, são bem mais frequentes (centenas, milhares), referência a marcações supostamente lesivas ao time dos gritantes.
O “ladrão!” no campo parte dos próprios jogadores. O sentido é figurado, já que ali ninguém tem a intenção, nem a condição, de furtar ou roubar nada de ninguém, a não ser… a bola.
Assim, o aviso que um jogador dá ao colega de time que está com a bola, e não percebe que um adversário está se aproximando rapidamente para tentar tomá-la dele, é este: “Ladrão!”.
Um alerta, um aviso, com significado bem diferente da acusação que vem das arquibancadas e/ou numeradas.
Há o jogador de tomar cuidado para que o juiz não interprete que o grito “ladrão!” seja para ele, ou, na impossibilidade de expulsar torcedores, a autoridade máxima da partida mandará para o chuveiro mais cedo aquele que declamou a palavra em questão.
Isso posto, nesta semana veio a público um caso, na França, em que um jogador incorporou o substantivo tão malquisto pela sociedade em geral.
Lamine Diaby-Fadiga não alertou ninguém a respeito do “roubo” da bola. Nem era essa sua intenção, já que o ladrão seria… ele.
Só que um ladrão sem aspas. No sentido literal. Não no campo, mas fora dele.
O objeto de desejo do promissor atacante de 18 anos não era a redonda. E sim, digamos, um redondo.
No dia 16 de setembro, o dinamarquês Kasper Dolberg, de 21 anos, colega de Lamine no Nice, procurou seu relógio no vestiário depois do treino e não encontrou.
Não teve dúvida de que havia sido furtado, então Dolberg, com apoio do clube, acionou a polícia na tentativa de recuperar a peça que valia cerca de R$ 310 mil.
Um valor alto para um relógio? Pode ser, mas futebolistas das principais ligas europeias gostam de usar parte de seus geralmente polpudos salários em carros, roupas, joias e também em relógios chiques.
O caso ganhou destaque na mídia, e, passados alguns dias, o ladrão sentiu-se pressionado e confessou, por meio de uma rede social, o delito e o motivo que o levou a cometê-lo.
Lamine escreveu que estava “afetado psicologicamente” por uma contusão no pé que o afastou por quatro meses do esporte e reduziu suas chances de jogar nesta temporada pela equipe principal do Nice, agremiação pela qual atua desde os 13 anos.
“Minha situação difícil era um duro contraste com o sucesso de Kasper. Peguei [o relógio] sem nenhuma razão para fazê-lo, talvez por uma pitada de ciúme. Em vez de lutar no campo por uma vaga, tomei uma atitude estúpida para afetá-lo. Agi por frustração e desgosto e por me sentir desacreditado. Tenho apenas 18 anos, mas a idade não é desculpa.”
Na terça (1º), em um comunicado, o Nice anunciou a dispensa do atleta: “Depois da confissão, o clube decidiu romper o contrato, com efeito imediato. O Nice não pode compactuar com esse tipo de comportamento nem ignorar tamanha falha. É uma questão de credibilidade”.
Com a saída de Lamine, tanto o clube quanto Dolberg – recém-contratado pelo Nice e que esteve na Copa do Mundo de 2018, na Rússia – devem retirar a acusação de furto.
Em seu comunicado, o ladrão confesso ainda pediu desculpas aos torcedores e disse que pretende dar a volta por cima depois do ocorrido.
“Tive a responsabilidade de reembolsar meu companheiro inteiramente, o que já foi feito. Talvez um dia nos encontremos no campo e esse assunto seja tratado meramente como uma lembrança ruim. Estou deixando o clube em que sempre quis ser bem-sucedido, o que para mim é a maior punição. A redenção virá dentro do campo e agora me concentrarei na minha paixão, que é o futebol.”
O delito não impedirá Lamine de em breve tentar colocar em prática seu discurso, já que o Paris FC interessou-se por seu futebol e o contratou.
Lamine estará, contudo, um degrau abaixo da elite e em condição esportiva distante da oferecida pelo Nice – atual sexto colocado na Ligue 1, a primeira divisão, a apenas cinco pontos do líder, o Paris Saint-Germain, de Neymar.
Sua nova equipe disputa a Segundona na França e não tem a mínima pretensão de obter o acesso.
A luta do Paris FC é outra: para não ser rebaixado. Com apenas dois pontos em nove partidas, nas quais anotou míseros três gols, amarga a lanterninha da Ligue 2.
Definitivamente, e Lamine sabe disso e terá de conviver com isso, não foi, com o perdão do trocadilho, uma boa hora para furtar um relógio.