Com idade adulterada, atacante tem recorde anulado na Índia
O dia 7 de outubro de 2018 era para ter sido histórico na Índia.
Aos 36 minutos do segundo tempo, na partida entre o mandante Bengaluru e o Jamshedpur, no estádio Sree Kanteerava, o atacante Gourav Mukhi empatou para o time visitante e festejou com um salto mortal.
Aos 16 anos, ele se tornava o mais jovem jogador a fazer um gol no Campeonato Indiano, também chamado de Super Liga, que conta com dez agremiações.
O Bengaluru ainda fez mais um gol e o Jamshedpur voltou a empatar, nos acréscimos, porém depois do apito final todas as atenções se voltaram para Mukhi.
Um dos mais empolgados com a atuação dele era o veteraníssimo meia-atacante australiano Tim Cahill, de 39 anos, participante de quatro Copas do Mundo (2006, 2010, 2014 e 2018), que chegou ao Jamshedpur em setembro para ser o astro da equipe.
Cahill, que fazia sua estreia nesse confronto e havia sido substituído, voltou ao campo para falar com Mukhi. Queria elogiá-lo e parabenizá-lo.
Abraçou-o e decretou, olhando nos olhos do colega de time, como se fosse um irmão mais velho: “Este é o melhor momento da sua vida”.
“This is the best moment of your life,” @Tim_Cahill to tonight’s goal scorer Gourav Mukhi.
Don’t miss the sensational scenes from the Sree Kanteerava Stadium after @JamshedpurFC earned a dramatic draw against @bengalurufc.#LetsFootball #BENJAM #FanBannaPadega pic.twitter.com/ULyOxe5uCB
— Indian Super League (@IndSuperLeague) 7 de outubro de 2018
Não sei o que Cahill deve estar pensando hoje, mas é provável que, se soubesse que Mukhi seria considerado um farsante, não teria sido tão lisonjeiro.
Na semana passada, a Federação Indiana de Futebol anulou o recorde do atacante ao informar que ele não tem 16 anos, mas 28.
Embasbaquei ao ler a notícia. Sendo verdade (suponho que a federação tenha obtido em cartório sua certidão de nascimento original), não são um ou dois anos a mais, mas 12 (d-o-z-e!).
Ao olhar para as fotos de Mukhi, aventa-se a improbabilidade de ele ser um adolescente de apenas 16 anos. A composição facial indica mais idade.
Vá lá, ele poderia ter tido um desenvolvimento precoce, em raros casos pode acontecer – e o bigodão ajuda a fazê-lo parecer um trintão. Mas no mínimo era necessário desconfiar e, escolha-se o termo, averiguar, checar, apurar, investigar.
Caso isso fosse feito, se descobriria que no dia 10 de setembro, pouco menos de um mês antes de Mukhi fazer “o gol histórico”, o jornal indiano The Telegraph publicou uma reportagem sobre ele, intitulada “Da favela ao estrelato”.
O texto, um dos dezenas por aí que contam uma história de um jovem humilde que conseguiu progredir na vida por intermédio do esporte (o “estrelato”, nesse caso específico, é um sonoro exagero), trazia no quarto parágrafo (de um total de 13) a idade do jogador: 28 anos.
Assim, é extremamente surpreendente que a federação indiana e o Jamshedpur tenham aceito a documentação falsa apresentada por Mukhi, com a qual ele foi registrado na competição.
E não é menos surpreendente que os times adversários, os torcedores e até os órgãos de imprensa não tenham feito nenhum questionamento – se o fizeram, foram solenemente ignorados.
Duro de acreditar. Mas calma que há mais conteúdo nessa narrativa, que de tão surreal soa como ficção.
A Newsweek, ao publicar artigo sobre o caso Mukhi, afirma, além de citar o publicado pelo Telegraph, que a página dele em uma rede social informa como sua data de nascimento o dia 5 de abril de 1999, o que o deixaria hoje com 19 anos, não com 16 nem com 28.
Menciona ainda, dando crédito à Fox Sports, que ele já tinha sido considerado culpado de uma trapaça similar antes. Foi afastado de treinamento da seleção sub-16 da Índia, em 2015, quando houve a constatação de que ele era mais velho.
Nas palavras da revista americana, “é inimaginável como Mukhi teve permissão para manter sua alegação [de que tinha 16 anos] por tanto tempo”.

Realmente, é um mistério insolúvel por ora, ao menos até a hora em que mais informações sejam divulgadas pelas partes envolvidas.
Pois a conclusão que fica é que, como em um passe de mágica, a cegueira tomou temporariamente conta de todo o futebol de um país, incapaz de enxergar fatos que desmascarariam recentemente, de bate-pronto, o jogador.
Curada a deficiência visual, a federação suspendeu Mukhi por seis meses, e o Jamshedpur, em comunicado datado de 19 de dezembro, afirmou que “não endossa nenhum malfeito relacionado à idade de qualquer jogador”.
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Em tempo: Parece piada pronta, mas a camisa que Gourav Mukhi vestiu ao fazer o gol histórico, que pouco mais de dois meses depois deixou de ser histórico, era a de número 28 – a idade que ele tem, de acordo com a Federação Indiana de Futebol.