Em três atos, videoarbitragem rouba a cena em amistoso do Brasil
Pela primeira vez, a videoarbitragem (VAR, video assistant referee) foi usada em um jogo do Brasil. Aconteceu nesta sexta (10), no amistoso contra o Japão, em Lille (França).
O Brasil ganhou por 3 a 1. Neymar fez um gol de pênalti (e também desperdiçou um pênalti), Marcelo marcou outro (um golaço em chute de pé direito, que não é o bom), Gabriel Jesus anotou seu oitavo gol em 12 partidas pela seleção principal.
Ao menos três personagens para serem falados, para vistos como protagonistas do jogo. Só que não. Pela primeira vez presente em uma partida do Brasil, ela, a videoarbitragem, já roubou a cena, em três atos.

Primeiro ato.
Menos de 10 minutos jogados no primeiro tempo. Córner para o Brasil. A defesa do Japão afasta o perigo, e o jogo continua. Ninguém viu irregularidade no lance.
Depois de quase um minuto (47 segundos, de acordo com o SporTV), o árbitro francês Benoît Bastien paralisa o jogo e vai até a beira do gramado ver a jogada do escanteio.
Alertado pelo “cara da TV” (um árbitro que vê a partida em uma sala isolada do campo, diante de vários monitores), nota que Yoshida derrubou Fernandinho. E marca, com quase dois minutos de atraso, o pênalti. Neymar cobra e faz Brasil 1 a 0.
Ponto para o VAR. Usado corretamente, apesar de toda a espera por uma definição (não dá para ser de outra forma, o jeito é se acostumar; e cobrar da arbitragem acréscimos ao tempo de jogo no fim de cada etapa).
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Segundo ato.
Menos de 10 minutos do segundo tempo. Neymar avança pela esquerda, em disputa de bola com Sakai. O japonês toma-lhe à frente, e Neymar o pressiona e comete a falta.
Não bastasse, o camisa 10 do Brasil, enquanto o rival está caindo, acerta-o na cabeça com um leve soco. Ninguém notou a discreta agressão.
Passam-se alguns segundos, de novo a partida é interrompida. Alertado pelo “cara da TV”, Bastien vê um replay e adverte Neymar com o cartão amarelo.
Ponto para o VAR? Não. Contra.
Por quê? Porque a Fifa, que adotou o sistema para tentar levar mais justiça ao futebol, é claríssima na orientação para o seu uso. São quatro situações permitidas: lance de gol; lance de pênalti; lance de expulsão; erro de identidade de um jogador em uma punição.
Na citada jogada, se o árbitro de vídeo alertou Bastien, era porque considerou que Neymar deveria ser expulso, por agressão. O árbitro de campo não viu assim, e errou. Que mostrasse o cartão vermelho ou que não fizesse nada. Possivelmente Bastien achou que não houve intenção de Neymar de agredir Sakai. E acabou exibindo o amarelo só para justificar o VAR. Fez média.

Terceiro ato.
Menos de 20 minutos do segundo tempo. Escanteio para os japoneses. Makino ganha de Jemerson pelo alto e desconta: Brasil 3 x 1 Japão.
Jemerson foi mal na jogada, quase não saiu do chão. Com um atenuante: o replay mostra nitidamente que o zagueiro japonês puxa a camisa do brasileiro. Cometeu falta, marcou o gol irregularmente.
Vendo o jogo, fiquei esperando a interrupção e a anulação do gol. Em vão. Nada. Cadê o “cara da TV” nessa hora?
Que ele viu o agarrão na camisa, viu. Com um só olho dava para ver. E ignorou solenemente.
A revisão do lance vale só em prol do ataque? Para dar um pênalti, sim, vale. Para anular um gol, não, não vale.
Ponto contra o VAR. Tem que haver uma coesão.
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Expostos os três atos, que significam derrota do VAR por 2 a 1, reitero minha posição de contrariedade à videoarbitragem.
Deixando de lado o romantismo e aceitando a modernidade (que chega sempre recheada de tecnologia), já que é para ter o VAR, que haja padronização no seu uso. E coerência. Nós, público, não somos idiotas.
Se nada for feito pela Fifa e pelas federações a ela filiadas (é necessária uma rígida normatização do VAR), e se os árbitros não passarem por um severo treinamento para usarem o sistema logicamente, aguarde, leitor, a realização desta profecia: na Copa do Mundo, o VAR será tão (ou mais) protagonista que as seleções e os jogadores.
Em tempo 1: Usado em alguns campeonatos da Europa (os principais são o Alemão e o Italiano), o VAR, elogiado no cenário macro, tem recebido críticas pontuais. Dois jogadores da atual campeã mundial, a Alemanha, consideram o aparato uma “catástrofe”. “Para mim, futebol é emoção e os erros fazem parte dele”, disse o volante Sami Khedira (da italiana Juventus), para quem os árbitros já criaram dependência do auxílio do vídeo. “Os juízes não sabem mais quando devem soprar o apito, mesmo quando há um pênalti claro. E jogadores, ao fazer um gol, se perguntam: ‘Comemoro ou não?’.” Ele reclama do tempo de espera para a revisão das jogadas (“espera-se por três minutos, é muito tempo, isso mata o jogo”) e pede “regras claras” a respeito do VAR. O atacante Sandro Wagner (do alemão Hoffenheim) resume: “Não há diversão para os jogadores nem para os torcedores”. Obrigado, Sami e Sandro, por concordar com a opinião deste que aqui escreve.
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Em tempo 2: O supervisor do VAR na Alemanha, Hellmut Krug, foi afastado de sua função. Motivo: teria agido para influenciar decisões da videoarbitragem em favor do time por que torce, o Schalke, em partida contra o Wolfsburg, em outubro. Devido aos rumores, federação alemã de futebol e liga de futebol alemã decidiram afastá-lo. Krug negou a acusação.