Os dois lados do Qatar, a sede da Copa de 2022
Dizem que toda história tem dois lados.
Pois esta história, cujo personagem principal é o Qatar, o país mais rico do mundo, não é diferente.
Primeiro, o lado negativo.
(Antes, um parênteses. Poderia, mas não vou abordar aqui a suspeita que paira sobre a nação do Oriente Médio acerca de compra de votos na eleição que a tornou sede da Copa do Mundo-2022. Há uma investigação em curso, que eu acho que não vai dar em nada. Alguém vai botar panos quentes na questão, e a chance de o Qatar perder o Mundial, apesar de haver quem diga o contrário, é nula. O fator financeiro pesa e pesará.)
A notícia que veio à tona nos últimos dias partiu na Anistia Internacional e relaciona-se à construção de um dos estádios, o Khalifa, em Doha, a capital do Qatar.
A organização não governamental com sede na Inglaterra e que atua para proteger os direitos humanos voltou a denunciar práticas de trabalho consideradas abusivas na arena.
Relatório aponta, com base em entrevistas com mais de 200 pessoas envolvidas na construção do Khalifa, haver “escandalosa indiferença diante do péssimo tratamento dado aos trabalhadores imigrantes”, em crítica direta aos envolvidos na organização. “Enquanto isso, a Fifa, os patrocinadores e as construtoras estão engajados em lucrar com o torneio.”
Segundo a Anistia, que já havia feito alertas antes, imigrantes procedentes de países como Nepal, Bangladesh e Índia trabalham em condições degradantes, tendo seus direitos humanos violados.
Entre os problemas, maus-tratos constantes, carga horária excessiva, atrasos nos pagamentos, condições impróprias em alojamentos, limitações no direito de ir e vir (existe a proibição, por exemplo, de deixar o país).
Sob nova direção há pouco mais de um mês, a Fifa soltou comunicado sobre o tema, no qual se diz “ciente dos riscos envolvendo os trabalhadores nas obras no Qatar” e atuar junto com as partes envolvidas na Copa para melhorar as condições dos operários. “É um processo em andamento.”
A entidade acrescenta que continuará a “estimular as competentes autoridades governamentais” a agir para minimizar o problema.
Um comunicado burocrático, cujo efeito prático é duvidoso, ainda mais quando o novo presidente da entidade, Gianni Infantino, que já está com a cabeça na escolha da sede da Copa de 2026, disse em entrevista na Colômbia o seguinte ao ser indagado a respeito do assunto: “A Fifa cuida de organizar o futebol, não de salvar o mundo”.
O suíço tentou contornar, afirmando que a federação está acompanhando a situação, em diálogo com as autoridades do Qatar e que “progressos foram feitos”, sem especificar quais.
Lamentável.

Escrito isso, há um lado positivo sobre o Qatar, um lado que deveria ser o tema central deste texto, caso o extracampo funcionasse como deveria.
A seleção qatariana encerrou a segunda fase das eliminatórias asiáticas para a Copa de 2018 em primeiro lugar em seu grupo, o C, e avançou para a terceira etapa.
Em uma chave com Butão, China, Hong Kong e Maldivas, ganhou sete partidas (incluindo um histórico 15 a 0 no Butão) e perdeu uma (a última, 2 a 0 para os chineses, que precisavam triunfar para chegar em segundo no grupo e também se qualificar).
A seleção do Qatar jamais se classificou para a Copa do Mundo e, “futebolisticamente” falando, seria bem bacana se conseguisse disputar a Copa anterior à que abrigará.
A equipe tem contado com jogadores com dupla cidadania para se fortalecer e melhorar o desempenho, entre eles brasileiros. Na última convocação estiveram relacionados o meia-atacante Rodrigo Tabata, 35 anos (ex-Goiás e Santos), e o meia Luiz Ceará, 27 (ex-Uniclinic, de Fortaleza), além do atacante uruguaio Sebastián Soria, 32, e do defensor português Pedro Miguel, 25.
Para poder atuar pela seleção qatariana, o jogador, conforme regra da Fifa, precisa ter ao menos cinco anos de residência no país, caso seu pai ou sua mãe ou ao menos um dos avós não tenham nascido lá.
Tabata, por exemplo, atua desde 2010 no campeonato do Qatar. Ele defende o Al Rayyan e é o artilheiro da atual campeonato local, com 20 gols em 21 jogos.
O treinador da seleção também é importado, o uruguaio José Carreño.
“Desenvolvemos um estilo de jogo no qual queremos ser os protagonistas em todas as partidas”, afirmou ele antes do jogo de terça da semana passada diante da China. “Faremos de tudo para nos classificarmos para a Copa da Rússia.”
A evolução no futebol do Qatar pode ser medida pelo desempenho em amistosos contra seleções de outros continentes: em 2015, ganhou da Argélia (eliminada em mata-mata na Copa de 2014 pela campeã Alemanha somente na prorrogação) e da Eslovênia, as duas vezes por 1 a 0, e foi um osso duro diante de Escócia (derrota por 1 a 0) e Turquia (derrota por 2 a 1).

O sorteio para a terceira fase das eliminatórias da Ásia será realizado na próxima semana (terça-feira, dia 12, na Malásia).
Haverá dois grupos com seis seleções e, depois de jogos de ida e volta, os dois melhores de cada chave asseguram vaga no Mundial. Os terceiros colocados fazem um mata-mata, e o vencedor disputa uma repescagem contra uma seleção da Concacaf (Américas do Norte e Central e Caribe) – quem triunfar também se classifica para ir à Rússia.
Em tempo: Na Ásia, os países classificados para a terceira fase das eliminatórias são, além de Qatar e China: Arábia Saudita, Austrália (sim, apesar de ser um país da Oceania, a Austrália compete na perna asiática das eliminatórias), Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Japão, Síria, Tailândia e Usbequistão. Na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, competiram Austrália, Coreia do Sul, Japão e Irã – todos caíram na primeira fase, sem obter uma única vitória (foram no total três empates e nove derrotas).