Xavi implanta linha dura e quer futebol à la Cruyff no Barcelona

Xavi Hernández é desde o início desta semana o novo treinador do Barcelona.

Ídolo do time catalão, ele chegou para substituir o holandês Ronald Koeman, astro do time em uma geração anterior, que fracassou no comando da equipe.

Aos 41 anos, Xavi é um dos técnicos da nova geração. O Barcelona será seu primeiro grande desafio, já que até agora treinou somente o Al-Sadd, do Qatar, a partir de 2019.

Potência financeira, tanto que abrigará a Copa do Mundo de 2022, o Qatar está muito longe se ser uma potência futebolística.

Foi no Al-Sadd que Xavi ficou nos quatro anos finais de sua carreira como jogador –deixou o Barça em 2015 e rumou para o Oriente Médio.

Na volta à Espanha, de cara o ex-meia –que quando na ativa destacou-se pela classe, pela criatividade, pelo ótimo passe e pela liderança, tendo também poder de marcação– passou o recado: com ele, o Barcelona não terá moleza no concernente ao trabalho e à disciplina.

Xavi, pelo discurso, implantará uma linha dura nos treinamentos, e até além deles, para que, em campo, o time desempenhe um estilo à la Johan Cruyff (1947-2016), holandês que ao dirigir o Barcelona tornou-o uma referência de futebol bem jogado a partir dos anos 1990.

Pelo que disse ao se apresentar, Xavi almeja que o Barcelona consiga triunfar na era pós-Messi –hoje no Paris Saint-Germain– praticando o “futebol total” da era Cruyff.

“A ideia é a mesma de Cruyff: meu primeiro defensor é o atacante, e meu primeiro atacante é o goleiro. Temos que trabalhar taticamente, pressionar alto [na defesa do adversário] e dominar a bola.”

Xavi mencionou Cruyff, que treinava o Barça quando ele começou a jogar nas categorias de base do clube, em 1991, aos 11 anos, porém a frase remete a um outro treinador muito conhecido.

Quem acompanha futebol sabe que esse modo de jogar, com amplo domínio da posse de bola e marcação intensa por pressão, tem sido executado, com boa dose de sucesso, há mais de uma década por Pep Guardiola, ex-Barcelona, ex-Bayern de Munique, atual Manchester City.

Guardiola, que foi jogador de Cruyff, treinou Xavi na equipe espanhola de 2008 a 2012.

Juntos, ganharam duas Champions League (Liga dos Campeões da Europa), dois Mundiais de Clubes, três Campeonatos Espanhóis e duas Copas do Rei.

Depois que Guardiola saiu, Xavi, campeão mundial com a Espanha em 2010, na África do Sul, ainda faturou com o Barça uma Champions, dois Espanhóis e uma Copa do Rei.

Coincidência ou não, após a saída de Xavi, na metade de 2015, apesar de continuar a demonstrar força dentro do país (três Espanhóis e quatro Copas do Rei), a equipe que veste azul e grená não mais chegou ao topo da Europa, o que incomoda demais, especialmente porque o maior rival, o Real Madrid, ganhou em 2016, 2017 e 2018.

Xavi assume um Barcelona oscilante, que registra resultados inesperados, sem confiança. Um time que tem apresentado um futebol comum, que não condiz com o que todos se acostumaram a ver.

Na temporada final do então camisa 6 no Barça (2014/15), a equipe, em 60 partidas, ganhou 50, empatou quatro e perdeu seis.

Foram 21 goleadas, incluindo um 8 a 0 no Córdoba e um 8 a 1 no Huesca, e três títulos: Champions, Espanhol e Copa do Rei.

Na temporada passada (2020/21), mesmo ainda com Messi, o time, em 55 jogos, ganhou 35, empatou nove e perdeu 11.

As vitórias por três ou mais gols de vantagem foram 16, um bom número, porém o que mais marcou foram reveses contundentes, em casa, diante de Real Madrid (3 a 1), Juventus (3 a 0) e PSG (4 a 1). Pior: título, um só, o da Copa do Rei.

Para mudar isso, Xavi tem sua fórmula: a da lei e da ordem. Com rédea curta.

“Primeiramente, é importante cumprirmos regras e sermos mais exigentes com nós mesmos”, declarou, dando a entender que é preciso organizar a casa, que estaria bastante bagunçada.

“Depois podemos falar de valores, de respeito e de atitude, porque, se não tivermos valores, não teremos um time.”

No Barcelona de Xavi, os jogadores terão de se apresentar para o treino uma hora e meia antes do início, para que não mais haja casos de atletas chegando às pressas para a sessão.

Todos tomarão café da manhã no CT do clube e, algumas vezes, almoçarão lá.

Será instaurado um “toque de recolher” para os jogadores nos dias anteriores às partidas. Em hora determinada, cada um terá de estar em sua casa.

Uma outra mudança de hábito imposta aos atletas, heterodoxa, é a proibição da prática de atividades consideradas perigosas, como esportes radicais, nas horas vagas ou folgas.

Por fim, voltarão as multas, abolidas pelo treinador Ernesto Valverde (2017-2020), para quem descumprir as regras.

Mesmo com tanta rigidez e seriedade, parece tarefa hercúlea reerguer esse Barcelona, que amarga a nona posição no Espanhol e vivencia um “vai não vai” na Champions (duas vitórias e duas derrotas na fase de grupos).

Parece faltar ao Barcelona mais do que vontade, dedicação e disciplina.

Parece faltar talento, parece faltar energia.

Em 2015, o time que ganhou a Champions tinha, além de Messi e Xavi, Iniesta, Suárez, Neymar, Rakitic, Piqué, Jordi Alba, Mascherano, Busquets, Ter Stegen. Todos jovens e/ou em exímia forma.

Hoje, Piqué, Busquets, Alba e Ter Stegen ainda estão lá. Os três primeiros têm 34, 33 e 32 anos, respetivamente, e a capacidade física de cada um caiu, é natural. O goleiro, com 29, convive com um joelho não confiável.

De positivo, Xavi pode contar com uma dupla de holandeses muito boa, o volante Frenkie de Jong e o atacante Memphis Depay.

Junto a eles, nomes como Mingueza, Eric García, Ansu Fati, Dest, Araújo, Pedri e Gavi, jovens que têm que melhorar e/ou evoluir muito para se mostrarem confiáveis.

Do elenco também faz parte, ainda, pois ele deve sair na próxima janela de transferências, um tíbio Philippe Coutinho, uma sombra do meia-atacante que chegou à Copa de 2018, na Rússia, como destaque da seleção brasileira.

E ainda há o centroavante argentino Agüero, que veio do Manchester City e é presença constante na enfermaria faz um par de anos.

É possível melhorar esse Barcelona? Sim. É crível que esse elenco possa ser campeão europeu, ou mesmo espanhol? Não.

Apelidado de Mestre quando jogador, Xavi precisará executar várias jogadas de mestre para fazer esse Barcelona dar certo.