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O vírus, a vacina e a volta

“Penso, logo reflito.” Uma adaptação minha da célebre frase (“Penso, logo existo”) do filósofo francês René Descartes (1596-1650).

Parei para pensar. Consequentemente, refleti. E constatei o óbvio.

O tal coronavírus, que chegou sem grande alarde para nos alardear grandemente, é de tal forma contagioso que, por mais que consigamos, via isolamento (horizontal ou vertical), “controlá-lo”, ele sempre estará nos espreitando, nos importunando, nos atemorizando, nos ameaçando, no futuro próximo.

Entenda-se por futuro próximo não apenas algumas semanas, mas meses, muitos meses.

Com um risco tão elevado de transmissão, há o medo (eu tenho, alguns dias mais, outros dias menos) de pegar, ou de passar, de ou para alguém.

Mesmo estando há mais de um mês em isolamento horizontal –com saídas raríssimas (mascarado) para comprar algum alimento–, seguindo a recomendação das autoridades sanitárias (e por crença pessoal), fico com a sensação de que a segurança não é completa.

Longe disso. Mesmo com as devidas precauções, como higienizar as mãos constantemente e manter uma distância segura (pelo menos dois metros) de qualquer pessoa, o perigo de infecção está ao redor, rondando, como um inimigo invisível.

Na vida em sociedade, mesmo com convívio restrito, é quase impossível não tocar em nada que outra pessoa tenha tocado, seja a porta do elevador, um produto no mercado ou na farmácia, a maquininha para fazer o pagamento com cartão.

E, se essa pessoa tem o coronavírus, mesmo estando assintomática, pode deixar uma superfície contaminada. E, ao tocar nessa superfície, você pode ficar com o vírus na mão.

Depois, um reles descuido, levando a mão ao rosto (olhos, nariz, boca), o que pode ocorrer inconscientemente, pronto… no mínimo ficará a dúvida. Estou com esse troço?

Eu soube do caso do pai de um ex-colega de colégio que saiu de sua residência uma vez desde a deflagração da pandemia, indo a um comércio. Veja: saiu uma única vez. E se contaminou. A última notícia que tive era a de que estava mal, em uma UTI.

Além desse óbvio já exposto (o elevadíssimo risco de contágio), há outro, ululante, como dizia o cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues.

Apenas a vacina, unicamente a vacina, é a solução.

Só com as pessoas imunizadas –sendo feita a comprovação por testes subsequentes–, poderemos viver sem neuras em relação à Covid-19.

O problema é que não há como vaticinar a viabilização da vacina.

Vários laboratórios espalhados pelo mundo estão trabalhando, dia e noite, tentando achar uma fórmula que funcione.

Pode demorar semanas, e o mais provável é que se levem meses. Talvez só em 2021.

Pois bem. Tendo a vacina, e sendo comprovada a sua eficácia, haverá doses para todos? Somos mais de 7,5 bilhões de seres humanos na Terra. Não há como.

Tomando-se tudo isso como premissa, chego ao ponto em que pretendia: o futebol.

Mais especificamente, a volta do futebol (paralisado em quase todo lugar há cerca de um mês e meio), desejada por muita gente, aqui no Brasil e em dezenas de outros países.

Vai voltar? Vai. Não tenho dúvida. Quando? O governo de cada país definirá, e federações e clubes acatarão essa decisão. Na França, por exemplo, não será antes de setembro.

Tá, então, cedo ou tarde, vai voltar. Mas em que condições?

Será sem público, é certo. Aglomeração é, e por um bom tempo será, sinônimo de risco à saúde.

Estará no estádio somente quem é essencial à realização de cada jogo: os membros dos times e da arbitragem e os demais funcionários envolvidos nas tarefas estritamente necessárias (limpeza, segurança, apoio). Todos com chance, mesmo que remota, de infecção.

A próxima questão é, visto que o futebol sem torcida perde muito (muito mesmo) do seu encanto: até quando será assim?

Viveremos de partidas com portões fechados até que se desenvolva a vacina, e até que, vacina desenvolvida, todos os torcedores que desejem ir aos estádios estejam vacinados?

Pensando do ponto de vista sanitário, do ponto de vista de preservar 100% de vidas diante da ameaça real do coronavírus, sim, é tristíssimo constatar, terá de ser assim.

A volta vinculada à vacina.

Só com ela centenas ou milhares de corpos (e de vozes) poderão adentrar as arenas –seja em enormes templos do futebol como Wembley ou Maracanã, seja em campos acanhados, porém de arquibancadas glorificadas pelos fãs abnegados por suas agremiações– e, juntos, se tocar, e se abraçar, e se beijar, e gritar, e bufar, e suar, e chorar.

Sem medo do vírus. Sãos e salvos.

Leia também: Tudo o que você precisa saber sobre o coronavírus

*

Em tempo: O blog para por um período. Que, na volta, as melhores decisões tenham sido tomadas. Havendo ou não futebol.

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