Com macacos, campanha antirracismo na Itália é considerada ultraje
Envolvida em uma série de incidentes racistas nos últimos meses, a Liga Italiana de Futebol lançou nesta segunda (16) uma campanha contra a discriminação racial.
Com a ideia de pregar a igualdade entre as raças, a Liga apresentou um painel com os rostos de três macacos.
Quem produziu a obra foi o artista italiano Simone Fugazzotto, famoso por suas pinturas de símios.
Fugazzotto declarou que a intenção é mostrar que não há diferença entre humanos e macacos.
“Minhas pinturas refletem totalmente os valores de jogo limpo e tolerância. Uso macacos como uma metáfora para seres humanos porque a cor da pele não é importante”, declarou o artista.
“Fiz esse trabalho para mostrar que somos todos símios. Fiz o macaco ocidental, com olhos azuis, o macaco asiático, com olhos cor de amêndoa, e o macaco negro, que é de onde todos nós viemos, é o que a teoria da evolução nos conta.”
“Não há homem ou macaco. Neste ponto, somos todos macacos… Como se precisassem dizer a um [jogador] negro que ele é um.”
Lost for words. #SerieA’s anti-racism campaign include three faces of apes, which were painted by artist Simone #Fugazzotto, who created the images to ‘change people’s perceptions’. #NoToRacism pic.twitter.com/xkhiQY3Rsw
— Bart Nowak (@bartnowak79) 16 de dezembro de 2019
A Liga, que pretende exibir a obra permanentemente na entrada de sua sede, em Milão, e Fugazzotto podem até ter tido boa intenção, mas a repercussão inicial foi péssima.
O grupo britânico Fare, que combate desde 1999 a discriminação do futebol europeu, classificou a iniciativa como uma piada desagradável.
“Uma vez mais o futebol italiano nos deixa sem palavras. Em um país no qual as autoridades fracassam semana após semana no combate ao racismo, a Liga lançou uma campanha que parece uma piada de mau gosto.”
“Essa criação é um ultraje, contraprodutiva e dará continuidade à desumanização das pessoas com ascendência africana.”
A entidade não foi a única a se manifestar via redes sociais. Houve uma série de críticas, como da jogadora Anita Asante, do Chelsea, e de Stan Collymore, ex-jogador do Liverpool e da seleção inglesa.
Nesta temporada, o Campeonato Italiano tem sido marcado por uma série de atitudes racistas de torcedores de vários clubes, em diversos estádios.
Negros, os atacantes Lukaku, da Inter de Milão, e Balotelli, do Brescia, estão entre os alvos frequentes de injúrias raciais vindas das arquibancadas, incluindo imitações de macacos e os sons que eles emitem.
Um brasileiro, o lateral-esquerdo Dalbert, da Fiorentina, também foi vítima de ofensas em partida contra o Atalanta.
A própria imprensa italiana cometeu gafes.
Há menos de duas semanas, o tradicionalíssimo jornal Corriere dello Sport (fundado em 1924) estampou em sua capa, para anunciar o confronto da sexta-feira (6) entre Inter e Roma, o belga Lukaku e o zagueiro inglês Smalling com o título “Black Friday” (Sexta Negra).

Antes, em setembro, o comentarista Luciano Passirani, de 80 anos, foi demitido pela emissora Telelombardia depois de afirmar que o único jeito de parar Lukaku era dando-lhe dez bananas para comer.
No mês passado, todos os 20 clubes da primeira divisão italiana assinaram um compromisso pelo qual se uniriam para tentar erradicar dos estádios “os sérios problemas com o racismo”.
Por essa inciativa, cada agremiação elegeu um atleta negro como representante desse movimento, entre os quais o zagueiro senegalês Koulibaly (Napoli), o volante francês Matuidi (Juventus) e o atacante marfinense Gervinho (Parma).
É fato que os acontecimentos lamentáveis conectados ao racismo vêm roubando espaço no noticiário do futebol italiano.
É salutar e necessário que medidas sejam implementadas para educar e tentar mudar essa situação.
E é essencial que os torcedores responsáveis por esses crimes sejam identificados e afastados dos estádios.
Em relação à Liga Italiana e à obra de Fugazzotto, cabe a cada um avaliar se ela é ou não questionável, se há ou não exagero dos críticos.
Não me parece adequado combater o que são considerados insultos – não apenas os negros, mas ninguém gosta de ser equiparado a um macaco – via uma diligência que compara os humanos a símios.
Há dezenas de maneiras criativas de atacar essa questão. Essa não será lembrada como uma delas.
Em tempo: Mais que iniciativas/campanhas, contra a intolerância deve haver atitude. Na segunda divisão da Espanha, houve. No domingo (15), em Madri, o árbitro José Antonio López Toca decidiu, com aval dos clubes e da federação espanhola, não dar sequência a Rayo Vallecano x Albacete depois de, durante todo o primeiro tempo, torcedores do Rayo chamarem o ucraniano Zozulya de “nazista”, entre outros insultos e ameaças. O atacante de 30 anos sempre negou relação com grupos de extrema direita.