Estigmatizada no Brasil, camisa 24 é vista (e vestida) sem frescura na Europa
Reportagem da Folha mostrou em detalhes o que todo mundo já sabia, ou ao menos imaginava.
O jogador brasileiro não gosta de usar a camisa 24, pois o número é associado à homossexualidade.
O futebol é historicamente um esporte identificado com a virilidade; diz a escrita (tola) que quem joga tem que ser macho.
Há um preconceito tão grande que gay assumido no futebol é uma raridade. Eu só conheço dois casos: o do inglês Justin Fashanu, que morreu em 1998, e o do americano Robbie Rogers, que se aposentou em 2017, aos 30 anos.
É intrigante essa questão do número 24 no Brasil. Há quem tenha grande aversão a ele. Eu mesmo já tive.
No colégio em que eu estudava, as turmas em que estive dos 11 aos 14 anos tinham cerca de 40 a 45 alunos.
E cada um deles, creio que para facilitar a chamada feita pelos professores no início de cada aula, recebia um número, por ordem alfabética.
Meu primeiro nome começa com a letra L, e a chance de eu receber o famigerado 24 (pois é certo que haveria gozação de colegas, sempre do sexo masculino) era considerável.
Tive esse “azar” em um dos anos, não me lembro qual, ficando incomodado por um curto período. “Azar”, entre aspas, porque não era nada que merecesse ser levado a sério.
As piadinhas, oriundas de uma minoria, duravam geralmente a primeira semana de aulas. Só prosseguiam para quem se irritava com a zoação – não foi o meu caso.
Enfim, essa é uma memória relatada para exemplificar que desde cedo, devido exclusivamente à influência de uma sociedade intolerante e arcaica, há quem abomine o número 24.
Hoje, e já há muito tempo, eu considero uma bobeira a preocupação, o receio ou o asco ao 24.
A tolice é tanta que na Europa isso – alguém querer não usar o número 24 – não é sequer cogitado.
Não posso assegurar com 100% de certeza que jamais um esportista recusou a camisa 24 no velho continente, mas uma amostragem mostra que futebolistas a vestem sem incômodo algum.
Tomo como base os 16 times que estão nos mata-matas da Champions League.
São quatro ingleses (Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham), três espanhóis (Atlético de Madri, Barcelona e Real Madrid), três alemães (Bayern, Borussia Dortmund e Schalke), dois italianos (Juventus e Roma), dois franceses (Lyon e Paris Saint-Germain), um holandês (Ajax) e um português (Porto).
Todos eles têm um jogador vinculado ao uniforme que estampa o 24 na camisa e no calção. E de nacionalidades e posições das mais diversas.

Há, entre os europeus, italiano (Florenzi, lateral da Roma, e Rugani, zagueiro da Juventus), francês (Tolisso, volante do Bayern, e Nkunku, meia do PSG), alemão (Oczipka, lateral do Schalke, e Reckert, goleiro do Dortmund), espanhol (Dani Ceballos, volante do Real Madrid), belga (Vermaelen, zagueiro do Barcelona), inglês (Brewster, atacante do Liverpool, e Adarabioyo, zagueiro do Man City, emprestado ao West Bromwich) e holandês (Fosu-Mensah, lateral do Man United, emprestado ao Fulham).
Há, no rol dos sul-americanos, uruguaio (Giménez, zagueiro do Atlético) e venezuelano (Yordan Osorio, zagueiro do Porto, emprestado ao Vitória de Guimarães).
E há, representando os africanos, marfinense (Aurier, lateral do Tottenham), camaronês (Onana, goleiro do Ajax) e senegalês (Pape Diop, volante do Lyon).
Dos três que estão emprestados, e que poderiam eventualmente escolher uma outra numeração na equipe provisória, dois (Adarabioyo e Osorio) mantiveram o 24. O terceiro (Fosu-Mensah) só não o fez porque já havia um colega “dono” do número.
Resumindo: na Europa, em relação ao 24, não há cara feia, não há mimimi, não há ojeriza. Impera o profissionalismo, neste tom: “Dê-me a camisa, qual seja ela, eu quero é jogar”.
Já passou da hora de os brasileiros amadurecerem e encararem o 24 de peito aberto, sem relutância, frescura ou horror.
Em tempo: Exemplos sobre uso do 24 indo além da Europa: nos principais clubes da Argentina (Boca Juniors e River Plate) e do Uruguai (Peñarol e Nacional), nossos vizinhos de maior destaque histórico no futebol, o elenco de cada um conta com um atleta que veste a camisa 24; nos EUA, os dois finalistas do campeonato de 2018, o campeão Atlanta e o Portland, também tiveram jogadores com o número, sendo que no vice-campeão ele pertence ao escocês Ridgewell, capitão do time por três temporadas.