Stephanie Labbé, a mulher que quis jogar com os homens
Há dois anos, dona da camisa 1, Stephanie Labbé ajudou na Rio-2016 a seleção de futebol de seu país, o Canadá, a repetir o melhor resultado na história: o bronze olímpico.
No ano passado, aos 30 anos, envolta com um problema que atinge milhares de pessoas no mundo, a depressão, deixou seu time, o Washington Spirits, e afastou-se do esporte.
Neste ano, para reencontrar a motivação, a goleira propôs-se um desafio. Um teste de desempenho, o maior de sua carreira. Treinar com os homens.
Labbé quer liderar sua seleção ao título da Copa do Mundo e ao ouro olímpico, e jogar com atletas do sexo oposto, em sua concepção, seria a preparação ideal para alcançar esses objetivos.
Bateu na porta do Calgary Foothills, que participa de uma liga de desenvolvimento – na qual os jogadores têm geralmente até 23 anos –, equivalente à quarta divisão dos campeonatos com equipes dos EUA e do Canadá.
Falou ao treinador do time, Tommy Wheeldon Jr., que queria lutar por uma vaga no elenco.
Ele analisou o caso e não se opôs, mas estabeleceu uma condição à novata: “Se você mantiver a bola fora das redes, eu a selecionarei”.
Comparada aos outros goleiros, Labbé era nanica (1,78 m) e esquálida. A intensidade dos exercícios, conta, fazia seu corpo suplicar por clemência.
“Em três semanas levei mais gols que em três anos”, afirmou, contabilizando também uma luxação em um dedo da mão e um grande hematoma na canela, frutos de impactos com companheiros.
Mas Labbé, que disse ter sido todo o tempo tratada com respeito pelos colegas, sem nenhum preconceito, insistiu e progrediu. A cada dia mostrava-se mais segura e preparada. Menos bolas passaram a entrar no seu gol.
Convenceu o técnico. Ela seria um dos três goleiros do Calgary na temporada.
Veio então a frustração. A Premier Development League (PDL), da qual o time faz parte, vetou a participação dela. Por ser mulher.
Em comunicado, a PDL esclareceu ser uma liga destinada exclusivamente a homens.
Essa é a história de Stephanie Labbé, que hoje defende o Linköpings, um time feminino da Suécia.
Uma história que leva a questão da desigualdade de gênero, no esporte, para além da busca das mulheres por equivalência salarial.
Se uma mulher é tecnicamente capaz de jogar em uma liga que tradicionalmente só aceita homens, como seria o caso de Labbé, por que não mudar essa tola tradição?
Pois proibição nas regras do futebol (“Laws of the game”, da International Board, o órgão que cuida da regulamentação dessas regras), não há.
Só uma vez a palavra “gênero” aparece nas 228 páginas da versão 2018/2019 do documento: “As regras devem ajudar a tornar o jogo atrativo e agradável para que as pessoas, independentemente de idade, raça, religião, etnia, gênero, orientação sexual, deficiência etc., possam aproveitar seu envolvimento com o futebol”.
Contactada, a Fifa, entidade máxima do futebol, afirmou que o caso de Labbé diz respeito à liga em questão (PDL), ou seja, que ela, a PDL, tem autonomia para decidir o que pode e o que não pode, conforme seus regulamentos.
Para trazer a questão para mais perto de nós, indaguei o seguinte à Confederação Brasileira de Futebol: “Os regulamentos da CBF permitem que uma mulher seja inscrita e jogue com os homens em categorias de base ou na categoria adulta?
A resposta: “Não há veto em regulamento a isso, embora não se tenha conhecimento de um fato desses”.
Assim, dependeria exclusivamente de cada confederação, liga ou equipe oferecer essa abertura para mulheres poderem atuar em times formados só por homens.
Por isso, vaias para a norte-americana PDL, que vetou Labbé por estar presa a uma convenção arcaica.
Aplausos? Para o futebol, não. Para outros esportes, sim.
Na Olimpíada do Rio, em 2016, badminton, hipismo, tênis e vela ofereceram competições mistas.
Nos Jogos de Tóquio, em 2020, mais esportes terão provas nas quais os países juntarão atletas homens e mulheres para representar suas respectivas pátrias: atletismo, natação, triatlo (em revezamentos) e tênis de mesa (em duplas).
Em tempo: Muitos dirão que as diferenças físicas (o homem é geralmente mais forte que a mulher, resultado da genética) são um impedimento para que se juntem esportistas de sexos diferentes. É um fator a ser levado em consideração, mas que não deve ser encarado como premissa para nem sequer iniciar um debate sobre o tema.