Klopp mostra a Mourinho a vantagem de ser um treinador simpático

Luís Curro

José Mourinho, atual técnico do Manchester United, é bom treinador?

Sim. O seu histórico mostra isso. O português teve sucesso em quatro países diferentes: Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal.

Aos 54 anos, já ganhou duas Ligas dos Campeões da Europa (2004, com o Porto, e 2010, com a Inter de Milão), três Campeonatos Ingleses (2005, 2006 e 2015, todos com o Chelsea), dois Campeonatos Italianos (2009 e 2010, ambos com a Inter), um Campeonato Espanhol (2012, com o Real Madrid) e dois Campeonatos Portugueses (2003 e 2004, ambos com o Porto).

Também faturou uma Copa da Inglaterra, três Copas da Liga Inglesa, duas Supercopas da Inglaterra, uma Copa do Rei da Espanha, uma Supercopa da Espanha, uma Copa da Itália, uma Supercopa da Itália, uma Copa da Uefa e uma Taça de Portugal.

Todos esses títulos com clubes grandes (Porto, Chelsea, Real Madrid e Manchester United).

E Jürgen Klopp, atual técnico do Liverpool, é bom treinador?

Sim. Porém suas conquistas são contadas em apenas uma mão e em um único país.

O alemão de 49 anos conduziu o Borussia Dortmund a dois Campeonatos Alemães (2011 e 2012), uma Copa da Alemanha (2012) e duas Supercopas da Alemanha (2013 e 2014).

Antes do Borussia, que Klopp ajudou a ter o prestígio que tem hoje, ele havia treinado por oito anos o modesto Mainz.

Os resultados com o time de Dortmund, incluindo o vice-campeonato da Champions League em 2013, levaram o Liverpool a contratá-lo, em outubro de 2015.

Além da galeria de conquistas, há uma diferença gritante entre Mourinho e Klopp.

O português preza pela antipatia e pela grosseria (qualquer semelhança com Dunga não é mera coincidência). Destrata a mídia com frequência e até seus jogadores não são poupados. É certo que no Manchester United vários atletas torcem o nariz para Mou, adepto do “eu ganhei” (nas vitórias), “eles [jogadores] perderam” (nas derrotas).

O alemão é o inverso. Costuma ser solícito e paciente com os jornalistas e, no trato com os atletas, é como um paizão. À beira do campo, não é só um técnico, mas um torcedor.

Só que todo técnico não é um torcedor da equipe que comanda? Sim, porém Klopp é “mais” que os outros. Extrapola na vibração.

Antonio Conte, ex-seleção italiana e atualmente no Chelsea, também é assim, bem como Tite, sucessor de Dunga na seleção brasileira. Conte e Tite, no entanto, são respectivamente italiano e brasileiro, povos passionais por natureza. Klopp é alemão, então seu comportamento foge ao convencional.

Por que faço essa comparação entre Mourinho e Klopp?

Porque o português, que se considera desde sempre injustiçado pela arbitragem, deu na entrevista após o 0 a 0 no Old Trafford (estádio do Man United) contra o Hull City, na quarta (1º), pela Premier League, declarações nas quais se refere a Klopp, mesmo sem citar o nome do alemão. Julgou-o protegido.

“Se eu falo, sou punido. Não quero ser punido. Ontem [terça, dia 31], um treinador ouviu do quarto árbitro: ‘Eu amo a sua emoção, então, por causa da sua emoção, não há problema’. Hoje, me disseram para ficar quieto, senão eu estaria fora.”

Klopp grita na cara do quarto árbitro depois de o Chelsea desperdiçar pênalti contra o Liverpool (Dave Thompson - 31.jan.2017/Associated Press)
Klopp grita na cara do quarto árbitro depois de o Chelsea desperdiçar pênalti contra o Liverpool (Dave Thompson – 31.jan.2017/Associated Press)

Na partida contra o Chelsea, no Anfield (estádio do Liverpool), o artilheiro dos visitantes, Diego Costa, desperdiçou um pênalti no segundo tempo que manteve o placar em 1 a 1.

Klopp reagiu com euforia e, tendo ao seu lado Neil Swarbrick, o quarto árbitro, berrou na cara sele: “Ninguém pode nos derrotar!”. Bem coisa de torcedor, e dos mais fanáticos.

Na cabeça de Mourinho, era esperado que o colega de profissão recebesse uma punição – multa ou suspensão. Só que nem advertido ele foi. Fã de Klopp, Swarbrick relevou a atitude explosiva.

Depois do jogo, Klopp explicou o ocorrido: “Eu disse a ele [Swarbrick] que ninguém podia nos vencer. Obviamente não é verdade, mas foi o que senti naquela hora. Então voltei a falar com o quarto árbitro e disse que estava totalmente errado ao ter dito aquilo para ele. Eu falei: ‘Desculpe, me empolguei’. E ele respondeu: ‘Sem problema. Gosto da sua emoção’. Nunca tinha ouvido isso antes de um quarto árbitro”.

Pois o arrependimento de Klopp, ampliado pelo pedido de perdão, também é raro: desculpas de um técnico a um árbitro ocorrem na proporção inversa às críticas.

Ao voltar ao assunto nesta quinta (2), ele admitiu que teve “sorte” por escapar de uma sanção.

“Algumas vezes se é multado, outras vezes não. Ao ver a imagem [do berro] não me pareceu muito bonita, mas já vi mais feias. Era pior quando eu era mais jovem. Melhorei agora.”

Klopp transborda sinceridade, simpatia, autenticidade, humildade. Faz, sem parecer fingido, política de boa vizinhança. Diverte-se com o futebol e diverte também quem o assiste. Sua personalidade lhe angaria uma legião de fãs – até na arbitragem. Acabou recompensado.

Impossível não gostar do jeito de Klopp. Salve, simpatia.

José Mourinho em momento de desolação no jogo em que o Manchester United ficou no 0 a 0 com o Hull City (Phil Noble - 1º.fev.2017/Reuters)
José Mourinho em momento de desolação no jogo em que o Manchester United ficou no 0 a 0 com o Hull City (Phil Noble – 1º.fev.2017/Reuters)

Em tempo: Jürgen Klopp também se diferencia de José Mourinho no modo de pensar o jogo. Basta comparar o futebol do Liverpool (leve, bonito) com o do Manchester United (arrastado, pragmático). Os Reds de Klopp põem em prática um estilo veloz, vertical, com ênfase em atacar – Mané, Lallana, Roberto Firmino e Philippe Coutinho vivem dando espetáculo. Faz muitos gols e sofre tantos outros – marcou 52 (melhor ataque) e tomou 28 em 23 jogos na Premier League. Os Red Devils de Mourinho são mais cadenciados ao ter a bola (vide Pogba), enaltecem a força (Fellaini está lá para mostrar) e não se descuidam da defesa. Nas mesmas 23 partidas, 33 gols a favor e 21 contra. No confronto direto nesta temporada, em jogos acirrados, o futebol à la Mourinho venceu: 0 a 0 em Liverpool e 1 a 1 em Manchester.