Pergunta sobre o Real Madrid desconcerta Vanderlei Luxemburgo
“O que deu errado no Real Madrid?”, indaguei a Vanderlei Luxemburgo.
“Não deu errado. Olha o aspecto da pergunta. Por que você não me pergunta ‘o que aconteceu?’. O errado está só na sua cabeça”, disse ele, perturbado, destacando que “meu percentual [no Real Madrid], se você pesquisar, foi de 74%”.
“A pergunta tem sempre um lado negativo”, prosseguiu, escancarando que o problema estava em o questionamento ser feito por um jornalista da Folha.
Tanto que, mesmo antes de eu questioná-lo sobre a passagem pelo Real Madrid (em 2005), ao interceder no encerramento de uma entrevista feita há dez dias pelo repórter Alberto Nogueira cujo foco era outro assunto e pedir para fazer uma pergunta sobre o passado e outra sobre o futuro, Luxa rebateu, sem polidez: “Você vai ficar sem resposta do passado e do futuro”.
Detalhe: não poderia ser algo pessoal, já que era a primeira vez que eu falava com o treinador que mais vezes ganhou o Campeonato Brasileiro (de 1971 até hoje, cinco vezes, duas com o Palmeiras e uma com Corinthians, Cruzeiro e Santos) e que jamais triunfou na Libertadores.
Pela seleção brasileira, faturou uma Copa América, em 1999, no Paraguai, e fracassou na Olimpíada de Sydney-2000 (caiu nas quartas de final, na chamada “morte súbita”, diante de uma seleção de Camarões com nove jogadores).

Fiz a pergunta sobre o passado mesmo assim, e ele não se recusou a responder, diferentemente do que dissera que faria segundos antes.
“O meu projeto no Real Madrid foi fantástico. O que deu errado foi uma discussão com o Florentino Pérez que eu não teria hoje. Discutimos na frente de todo mundo.”
Ué, mas se nada tinha dado errado, por que na resposta Luxa falou “o que deu errado foi…”? Poderia ter falado “o que aconteceu foi…”.
Luxemburgo admitiu, sim, um erro: a tal discussão com o então (e atual) presidente do clube madrilenho. Um caso, aliás, que não será relatado com ineditismo aqui, já que o treinador de 64 anos citou o ocorrido em outubro em programa da Fox Sports.
Mas é válido relembrar o episódio e registrar as palavras ditas à Folha.
O dia era 3 de dezembro de 2005. O jogo, Real Madrid x Getafe, pelo Campeonato Espanhol. O estádio, o Santiago Bernabéu, casa do Real. O resultado, 1 a 0 para o Real, gol de Ronaldo Fenômeno aos 17 minutos do primeiro tempo.
Beckham, um dos craques daquele galáctico Real Madrid (que também tinha Zidane, Roberto Carlos, Robinho), foi expulso aos 13 minutos do 2º tempo, e Luxemburgo, a poucos minutos do fim, tirou Ronaldo e colocou o volante dinamarquês Gravesen, um brucutu de careca reluzente, para segurar o placar.
A torcida não gostou, protestou, e Florentino Pérez se dirigiu a Luxemburgo no caminho do vestiário. A mensagem do presidente ao treinador era esta: aqui não basta ganhar, tem que prestigiar os craques e dar espetáculo para o torcedor. Sempre.
“Ele [Florentino Pérez] foi reclamar porque tirei o Ronaldo do jogo. Eu queria ganhar o jogo, e o Ronaldo já não interessava mais [naquele momento]. Ele disse que a torcida tinha reclamado”, afirmou Luxemburgo.
“Eu falei: ‘Presidente, eu não pedi para vir para cá. Você foi no [sic] Brasil e me contratou’. Uma discussão desnecessária na porta do vestiário. Se eu não encontro ele, teria uma sequência melhor no Real Madrid. Foi a questão de encontrar naquele momento, ali. Sangue quente para um lado e para o outro…”
Luxa não terminou a frase. Eu termino: …acabou em demissão.
Para Luxemburgo, apenas esse episódio determinou sua saída, sem relação com os resultados acumulados em campo ao longo daquele ano: eliminação nas oitavas de final tanto na Liga dos Campeões da Europa (diante da Juventus) como na Copa do Rei (diante do Valladolid) e o vice-campeonato espanhol (atrás do arquirrival Barcelona).
Porém, antes de superar o Getafe pelo magro 1 a 0, o time merengue vinha de três partidas sem ganhar: 0 a 3 (Barcelona), 1 a 1 (Lyon) e 2 a 2 (Real Sociedad). E duas semanas sem vitória são uma eternidade no Real… A situação já não era boa, e o embate com Florentino Pérez foi a gota d’água.
Luxemburgo tem o mérito de ter sido o único técnico brasileiro a treinar essa potência chamada Real Madrid. Daqui, só ele esteve lá, nenhum outro. Pode e deve considerar isso uma façanha. Orgulhar-se dessa conquista e dessa experiência.
Mas que algo deu errado, deu. Negar isso é negar a história. E uma história que o próprio Luxemburgo contou.
Leia também – Tostão: Luxa, diante do espelho
Em tempo 1: A pesquisa solicitada por Luxemburgo foi feita. Em 45 jogos sob o comando dele (36 pelo Campeonato Espanhol, 7 pela Champions League e 2 pela Copa do Rei), o Real Madrid venceu 28, empatou 7 e perdeu 10. O aproveitamento de pontos? 67%. O de vitórias? 62%. Considerando só o Espanhol, foram 23 vitórias, 4 empates e 9 derrotas (68% de aproveitamento de pontos e 64% de vitórias). O percentual de 74% citado por Luxa não foi encontrado.
Em tempo 2: A pergunta sobre o futuro também foi feita. “Quais são seus planos?” E a resposta veio, mesmo que a contragosto: “Eu não parei ainda. Vou ver o que vai acontecer [daqui] pra frente. Meu plano é continuar no futebol. Eu só não voltei ainda para o futebol porque eu não quis e porque estou com um problema [de saúde] na família”. O último time que Luxemburgo comandou foi o Tianjin Quanjian, que disputava a segunda divisão da China e o dispensou em junho do ano passado.