Copa do Mundo inchada abre brecha para marmeladas
Aconteceu o que se previa. Os interesses políticos e econômicos prevaleceram sobre os interesses esportivos, e o principal evento futebolístico do planeta, a Copa do Mundo, a partir de 2026 (em sede a ainda ser definida) terá 50% a mais de participantes: os atuais 32 se tornarão 48.
Desconsiderando o óbvio, que o nível técnico vai cair (aumento de quantidade resulta em redução de qualidade), a decisão da Fifa provocará o risco de marmeladas (resultados que interessam aos dois adversários que se enfrentam, ou seja, armações) nas partidas finais de alguns dos grupos da primeira fase.
Com 16 chaves com três seleções cada uma, classificando-se duas delas, esse perigo é iminente.
Supondo que um grupo tenha Itália, Nigéria e Estados Unidos (países escolhidos aleatoriamente), eis duas situações possíveis de acontecer.
Cenário 1
Jogo 1 – Itália ganha da Nigéria.
Jogo 2 – Nigéria e EUA empatam.
Jogo 3 – Itália x EUA. Um empate serve para os dois lados, assim como uma vitória dos EUA. A Nigéria, de fora, terá de ficar torcendo para os italianos ganharem para poder eventualmente se classificar no saldo de gols. Já classificada, a Itália pode escalar os reservas, potencialmente beneficiando os norte-americanos.
Cenário 2
Jogo 1 – Itália e Nigéria empatam por 0 a 0.
Jogo 2 – Nigéria e EUA empatam por 0 a 0.
Jogo 3 – Itália x EUA. Os nigerianos têm de torcer para uma vitória de um dos lados ou para que haja um terceiro 0 a 0 (que levaria a definição dos classificados para um frustrante sorteio). Um empate com gols serve para italianos e norte-americanos e elimina a Nigéria.
Longe de mim desconfiar da idoneidade de, nesses exemplos, italianos e norte-americanos (poderiam ser quaisquer outros países)… Mas até inconscientemente, sabendo do resultado que serve para ambos, os jogadores podem atuar de uma forma que esse placar acabe ocorrendo.
Ou seja, jogar as duas primeiras partidas é uma evidente desvantagem. Essa seleção pode ficar sujeita a depender de terceiros – e, dependendo do que ocorrer no derradeiro jogo da chave, haverá muita polêmica, com suspeitas de combinação entre os adversários. Será inevitável ocorrer essa discussão.
O atual formato da Copa impede essa situação porque, com quatro seleções em cada grupo, a rodada final tem sempre dois jogos, e sempre no mesmo horário. Correto. A Liga dos Campeões da Europa, o mais badalado torneio de clubes do mundo, faz o mesmo na última rodada da fase de grupos.

O senhor Gianni Infantino, o presidente da Fifa, defendeu a nova fórmula com o argumento de que ela é mais “inclusiva”. Afirma que determinados países, caso o limite de 32 participantes fosse mantido, jamais teriam a oportunidade de participar da maior festa do futebol.
É um modo errado de pensar.
Escrevi anteriormente, em texto no qual me posiciono contra o inchaço da Copa, que cada país evoluirá a seu tempo tecnicamente e, isso ocorrendo, se classificará para o Mundial e terá chance de competir para valer, e não de fazer figuração ou mesmo um papelão – aposto que seleções mais fracas levarão algumas vergonhosas goleadas.
O plano de Infantino contou com a anuência dos senhores que integram o Conselho da entidade máxima do futebol.
Falta todos eles (ou ao menos um deles) explicarem como fazer para evitar que possíveis marmeladas sejam viabilizadas, a fim de que a Copa mantenha um de seus mais relevantes atributos: a credibilidade.
Em tempo: Lembro-me de um episódio da Copa de 1982, na Espanha, que toda a imprensa considerou uma marmelada. Em um dos grupos, Alemanha Ocidental e Áustria duelavam na partida final, realizada depois de todas as outras. A Argélia precisava de uma vitória da Áustria, de um empate ou de um triunfo alemão por larga margem para avançar à segunda fase. Em um jogo no qual os austríacos, muito perto de obter a vaga (uma derrota por até dois gols de diferença servia), não mostraram interesse nenhum, a Alemanha fez 1 a 0 aos 10 minutos, placar que lhe servia, e depois também se desinteressou. Virou um jogo de compadres, e Áustria e Alemanha se classificaram. A Argélia, uma das surpresas daquele Mundial (tinha ganhado dos alemães por 2 a 1), voltou para casa.