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CBF e Micale geram especulação e desconfiança ao ocultar os nomes de pré-lista olímpica

Luís Curro

Nas duas últimas semanas, nas páginas esportivas de alguns sites, li textos que tratavam da pré-lista de 35 jogadores elaborada pelo treinador Rogério Micale para a disputa do futebol nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Jornalistas que abordaram o tema publicaram alguns nomes, obtidos com suas respectivas fontes. Algumas delas eram clubes brasileiros, que vazaram, segundo as reportagens, jogadores pré-listados. Outras podem ter sido representantes de atletas.

Dessa relação inicial, seriam selecionados 18 (e mais quatro suplentes). E foram, Neymar e mais 17, conforme anúncio nesta quarta-feira (29). Só que, diferentemente do esperado, os nomes dos quatro substitutos não foram divulgados.

Entre os 18, estão jogadores citados nos textos que li, porém faltam outros mencionados.

Exemplos de inclusão: Fernando Prass e Gabriel Jesus (Palmeiras), Rodrigo Caio (São Paulo), Douglas Santos (Atlético-MG), Marquinhos (PSG), Felipe Anderson (Lazio), Douglas Costa (Bayern de Munique), Gabriel “Gabigol” (Santos), Luan (Grêmio) e Rafinha (Barcelona).

Exemplos de exclusão: Ederson (Benfica), Jordi (Vasco), Fabinho (Monaco), Thiago Silva (PSG), Jorge (Flamengo), Walace (Grêmio), Renato Augusto (Beijing Guoan), Gustavo Scarpa (Fluminense) e Casemiro (Real Madrid).

Não cabe a mim questionar a seriedade dos profissionais que apuraram os possíveis nomes a figurar entre os 35 (não há por que duvidar das informações sem ter provas em contrário), porém, sem a divulgação dessa pré-lista pela Confederação Brasileira de Futebol, a margem para especulação, e para erros, é grande.

Assim como é grande a brecha para os espertalhões capitalizarem.

Dirigentes de clubes e empresários de jogadores, cientes de que a lista é secreta, ficam à vontade para dizer que o seu contratado ou representado foi pré-selecionado. É sempre interessante “valorizar a mercadoria”. E estar em uma lista da seleção brasileira é (ainda) um baita chamariz.

Pior: essas fontes só concordam em falar na condição de anonimato, e o jornalista, a fim de não desrespeitar o combinado, as preserva. O chamado jornalismo “off the record” tem prevalecido, extrapolado o terreno da política (onde a sua predominância é absurda). É preciso que isso mude. A fonte precisa ter coragem para bancar o que diz, sem se esconder.

Com a saída de Dunga, que dirigiria o time olímpico porém foi demitido devido aos maus resultados com a seleção principal, e as entradas de Tite (na equipe principal) e de Micale (na olímpica), treinadores bastante elogiados por seus trabalhos e respectivos perfis, imaginei que pudesse ocorrer uma guinada na Confederação Brasileira de Futebol, em prol da transparência.

Que uma simples lista de 35 jogadores não precisasse ser tratada como um segredo guardado a sete chaves. Que não haveria problema em divulgá-la, para que fosse objeto de debate entre analistas esportivos e entre os fãs de futebol.

Desse modo, poderia se avaliar se Micale estava ou não sendo coerente com as convocações anteriores, pois a seleção olímpica disputou alguns amistosos nos últimos meses.

Deveriam estar na pré-lista, dentro de uma lógica, atletas que defenderam o time olímpico recentemente, como Rodrigo Ely (Milan-ITA), Wendell (Bayer Leverkusen-ALE), Dória (Granada-ESP), Walace (Grêmio), Matheus Sales (Palmeiras), Andreas Pereira (Manchester United-ING), Alisson (Cruzeiro) e Malcom (Bordeaux-FRA). Ao menos alguns deles.

O técnico da seleção brasileira olímpica, Rogério Micale, durante o anúncio dos 18 jogadores que devem atuar na Rio-2016 (Lucas Figueiredo -29.jun.2016/MoWA Press)
O técnico da seleção brasileira olímpica, Rogério Micale, durante o anúncio na CBF dos 18 jogadores que devem atuar na Rio-2016 (Lucas Figueiredo -29.jun.2016/MoWA Press)

Otimista, fiz contato com a CBF no início da semana retrasada, solicitando a pré-relação, e recebi esta resposta: “Por entendimento da comissão técnica, a lista com 35 nomes pré-inscritos não será divulgada”. Sem mais detalhes. Nada de explicação sobre que “entendimento” era esse. Também pedi para entrevistar Micale, pois poderia questioná-lo a respeito. Pedido negado.

Não desisti de obter a pré-lista.

Fui ao Comitê Olímpico Internacional, o organizador-mor dos Jogos Olímpicos. A resposta: “Faça contato com o Comitê Olímpico do Brasil”. Fui ao COB, responsável pelos atletas brasileiros na Olimpíada. A resposta: “A lista citada não foi enviada ao COB, e sim à Fifa”. Fui à Fifa, a entidade máxima do futebol. A resposta: “A lista provisória enviada pela CBF e recebida pela Fifa com os atletas pré-selecionados para os torneios olímpicos de futebol não é pública. Entretanto, a CBF pode divulgar os nomes dos jogadores se assim o desejar”.

Não desejou.

O fato é que a lista dos 35 continua envolta em mistério. Ou seja, é impossível saber se os nomes veiculados pela mídia que não estão entre os 18 integram de fato a ampla relação.

Meu principal questionamento é: faz sentido pré-relacionar atletas, acima de 23 anos (três nessa faixa etária podem atuar na Olimpíada) ou não, sem saber se os seus respectivos clubes os liberarão para a competição? Pois isso pode ter acontecido, por exemplo, com Thiago Silva.

A impressão que fica é de a pré-lista ter sido ocultada para que a CBF ocultasse também a sua incapacidade de negociar com a antecedência necessária essas liberações, algo que é inerente a um planejamento bem arquitetado.

Vou além: será que essa pré-lista não foi divulgada para que pudesse ser a(du)lterada, sem alarde, de acordo com interesses de momento? E será que ainda não pode ser a(du)lterada? Pois somente no dia 14 de julho expira o prazo para a entrega à Fifa dos 18 selecionados. Se não se conhecem os 35, quem garante que, fora os 18 já listados, os demais 17 não tenham sido e não possam ser mudados, em uma combinação entre a cartolagem?

Em nome da transparência, que é algo tão necessário no nosso corrompido país, Micale poderia informar já, mesmo que tardiamente, os 35 da pré-lista.

Pois nesse aspecto ele começou mal. Tem tempo de mudar. Terá interesse em fazê-lo?

Em tempo: Quem é Rogério Micale? Tem 47 anos e é baiano de Salvador, com larga experiência em treinamentos de categorias de base. Em 2008, conquistou com o Figueirense a Copa São Paulo de juniores e, em 2010 e 2012, o Mineiro sub-20 com o Atlético. Em 2015, à frente da seleção brasileira sub-20, obteve o vice-campeonato mundial, na Nova Zelândia. No mesmo ano, levou o Brasil ao bronze no Pan-Americano de Toronto (Canadá).

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