O orgulho de vestir a camisa de um mesmo time por anos a fio

Luís Curro

Já faz anos, o mundo se globalizou, criando novos horizontes para todos.

Empresas expandiram seus negócios, a internet derrubou fronteiras, e ampliaram-se as oportunidades, em parte das profissões, de obter trabalho fora do país de origem.

No futebol, não é diferente. É perceptível que ano após ano mais e mais jogadores, especialmente os de nações menos desenvolvidas, mas com pé de obra de muito talento, ocupam espaço nos clubes das nações mais endinheiradas.

O jogador, via de regra, firma contrato com determinada equipe por razões financeiras. Vai, orientado por empresários (às vezes o pai ou um irmão cumpre esse papel), aonde lhe oferecem melhores condições, ou seja, mais dólares ou libras ou euros – afinal, assim cantaram os Beatles: “Money, that’s what I want” (grana, é isso que eu quero).

A carreira de futebolista é curta, então é necessário fazer o tal pé de meia – é preciso, vivem dizendo, pensar na família, especialmente nos pais, nos avós, nos irmãos e nos herdeiros.

Taí um futebol de resultado. Ligação afetiva com o time? Zero.

Para ser atleta, em discurso da própria classe, é necessário acima de tudo ser profissional. Talvez tenha sido sempre assim, mas nos dias de hoje isso salta ainda mais aos olhos.

Pergunto: no seu time, hoje, qual é o jogador-símbolo, aquele que personifica as cores da equipe, que pode ser um autêntico representante da agremiação no Brasil e no exterior? Tem algum?

Já se foi o tempo de um Pelé no Santos, de um Garrincha no Botafogo, de um Zico no Flamengo, de um Roberto Dinamite no Vasco, de um Tostão no Cruzeiro, de um Ademir da Guia ou de um Marcos no Palmeiras, de um Rogério Ceni no São Paulo. Craques que estiveram em ao menos uma Copa do Mundo cujos nomes estão totalmente ligados a um único clube (mesmo que tenham atuado antes ou depois por outro ou outros).

Por isso destoa quando alguém, especialmente se tem algum nome, vem a público expor seu elo sentimental com o clube.

Alguém que valorize, acima do lado monetário, o amor à camisa, a paixão por uma cidade, o carinho ao torcedor que tanto prestigia e grita e pula e sofre pelo time – e paga caro por isso sem a certeza de sair vencedor.

Alguém que acredite que a continuidade renda frutos, resultados, títulos, ou seja, retorno positivo tanto para ele quanto para a instituição.

Alguém que despreze “times de aluguel”, montados e desmontados por mecenas que almejam tão somente os louros da glória imediata – e com ela o lucro proporcionado pela provável transação de seus valorizados jogadores.

Esse alguém é Philipp Lahm, capitão da seleção da Alemanha campeã do mundo no Brasil, em 2014, e capitão do Bayern de Munique, da Alemanha.

Philipp Lahm vibra com gol do Bayern na Bundesliga; atleta defende o clube desde 1995 (Christof Stache - 12.dez.2015/AFP)
Philipp Lahm vibra com gol do Bayern na Bundesliga; atleta defende o clube desde 1995 (Christof Stache – 12.dez.2015/AFP)

O lateral direito de 32 anos começou a jogar pelo Bayern, o maior clube da cidade em que nasceu, aos 12. À exceção de uma passagem por empréstimo pelo Stuttgart, onde atuou por duas temporadas (de 2003 a 2005), Lahm sempre vestiu o uniforme do time da Baviera. E, percebe-se, tem um tremendo orgulho de ter sido assim.

Em artigo no site Goal.com, ele afirmou acreditar que toda equipe, para ser bem-sucedida, precisa de “símbolos” em suas fileiras. Citou Giggs e Scholes no Manchester United, Xavi e Iniesta no Barcelona, Maldini e Baresi no Milan, Sergio Ramos e Casillas no Real Madrid e Terry no Chelsea.

“Grandes times precisam de jogadores que tenham suas raízes no clube, que cresçam no clube e que encarnem sua cultura, sendo seus representantes dentro e fora do campo”, escreveu Lahm. “Não acredito que você possa montar um grande time só com dinheiro, como Paris Saint-Germain e Manchester City têm tentado. (…) No fim, vencerá o time cujos jogadores almejem sucesso não só para eles mesmos, mas também para o clube.”

É verdade que uma equipe considerada de aluguel pode, sim, triunfar, mas é igualmente verdade que não é a mesma coisa ganhar ao lado de companheiros que estão ao seu redor por anos a fio do que com outros que chegaram poucos meses atrás. No primeiro caso há um significado diferente, um outro tipo de cumplicidade. Arrisco a dizer que é mais gratificante e emocionante, e até que o reconhecimento, por todos (inclusive imprensa), é maior.

Lahm completou na terça (23), diante da Juventus, 100 atuações pelo Bayern… apenas pela Liga dos Campeões da Europa. Incluindo partidas pelo time principal e pelo time B do clube, a marca ultrapassa os 500 jogos.

Em tempo 1: À lista de Lahm acrescento Totti, da Roma, campeão mundial em 2006 com a Squadra Azzurra. Aos 39 anos, um dos ilustres filhos da capital italiana ainda está lá, e a Roma é o único time que defendeu desde 1989 – são 27 anos de dedicação. Ele sempre declarou que nunca jogaria por outro time. Recente desentendimento com o treinador Luciano Spalletti, porém, o fez aventar a possibilidade de mudar de ideia.

Em tempo 2: E o que falar de Gerrard, que ficou no Liverpool de 1998 até 2015? Ou de Lampard, que vestiu a camisa do Chelsea de 2001 a 2014? Há alguns outros, e Messi, lógico que não dá para esquecê-lo, é um desses exemplares (está no Barcelona desde 2000). Mas no Brasil é difícil, muito difícil, um jogador de alto nível (ou mesmo de nível não tão alto) perdurar mais de um par de anos no mesmo clube.