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“Eu sou normal.” Será que é mesmo? E poderá continuar sendo?

Luís Curro

Quando o português José Mourinho chegou ao Chelsea, no meio de 2004, aos 41 anos, disse no decorrer de sua primeira entrevista: “I am not one of the bottles, I am a special one”. Na tradução: “Não sou uma das garrafas, sou uma (garrafa) especial”.

Ele justificava sua chegada a Londres e dizia que não o chamassem de arrogante, apenas que considerassem que os Blues estavam contratando um treinador à altura do clube, um técnico com um título da Champions League (pelo português Porto) no currículo.

Mourinho se considerava especial, não “o especial”, porém acabou incorporando com gosto a alcunha que lhe foi dada pela mídia (“The Special One”). E se à época, mesmo não querendo ser considerado arrogante, já dava sinais de ser, hoje claramente ele o é.

“O Especial” se deu relativamente bem no Chelsea, conquistando dois Campeonatos Ingleses (Premier League), uma Copa da Inglaterra e duas Copas da Liga Inglesa.

Tanto que saiu por cima, em 2008, para comandar Inter de Milão e depois Real Madrid, e voltou prestigiado em 2013. “O Especial” retornava ao lar que amava, que o acolhia.

Hoje, contudo, o Chelsea de Mourinho vai mal das pernas. Atual campeão, amarga a 16ª posição na Premier League, à frente de apenas quatro clubes. Na Champions League, uma vitória e uma derrota. “O Especial” não está mais sendo tão especial assim.

Quem também vive uma crise na Inglaterra é o Liverpool, que, em décimo no Inglês e engasgando na Liga Europa (dois jogos, dois empates), se fartou do norte-irlandês Brendan Rodgers, contratado em 2012, e o demitiu na semana retrasada. Pudera. Ele não ganhou absolutamente nada, somente uma horda de torcedores enfurecidos.

Seu substituto será Jürgen Klopp, 48 anos, alemão que ganhou cartaz nesta década no comando do Borussia Dortmund.

Conquistou dois Campeonatos Alemães (Bundesliga), uma Copa da Alemanha e conduziu a equipe ao vice-campeonato da Champions League em 2013 – perdeu do Bayern de Munique por 2 a 1.

Pois bem. Klopp foi anunciado pelo Liverpool na quinta (8) e, no dia seguinte, já estava em Anfield, a sede do clube, para a primeira entrevista coletiva.

Anfield, cena 1: Quem sou eu? (Craig Brough /Reuters)
Anfield, cena 1: Quem sou eu? (Craig Brough /Reuters)

Enalteceu o clube e sua grandeza. Elogiou os jogadores. Comprometeu-se a ver o que está dando certo e o que não está. E a mostrar um futebol passional. “É tempo de recomeçar.”

Prosseguiu, mostrando humildade: “É uma grande honra estar em um dos maiores clubes do mundo e poder tentar ajudar. Estou muito orgulhoso”.

E falando obviedades: “Os jogadores devem acreditar que podem corresponder às expectativas dos torcedores e da imprensa. Temos que mudar nossa performance porque ninguém está satisfeito neste momento. Mostrar espírito de luta, muitos piques, muitos chutes a gol”.

E falando mais e mais obviedades. “Sou um cara de sorte.” (Caramba, e a competência?) “Estou preparado.” (Que bom, né?)

Anfield, cena 2: Já dá pra saber? (Jon Super/Associated Press)
Anfield, cena 2: Já dá pra saber? (Jon Super/Associated Press)

Então veio a pergunta fatal: “José Mourinho, quando chegou à Inglaterra, se descreveu como especial. Como você se descreve?”.

Klopp riu e respondeu: “Não quero me descrever… Alguém aqui nesta sala acredita que eu possa fazer maravilhas? Não? Pois bem, vou dizer. Eu sou um cara totalmente normal”.

Falou que sua mãe, de origem humilde, deveria estar assistindo-o naquele momento, “sem entender uma única palavra” (Klopp falava em inglês), mas que mesmo assim estaria orgulhosa.

Então, decretou, para risos da plateia de repórteres: “I am The Normal (Eu sou O Normal)”.

Anfield, cena 3: Achou! (Craig Brough/Reuters)
Anfield, cena 3: Achou! (Craig Brough/Reuters)

Ao ouvir essa expressão, lembrei-me imediatamente de um quadro de um humorístico dos anos 1980 na TV (“Viva o Gordo”), no qual o ator Francisco Milani, morto em 2005 (ano em que o Liverpool conquistou a última de suas cinco Champions Leagues), interpretava um personagem que, com suas ideias e atitudes absurdas, fazia com que seus interlocutores o olhassem torto, como se ele fosse louco. Para fechar a cena, ele sempre soltava um “Eu sou normal“.

Eu acho que Klopp tem cara de louco, mas tudo indica que é só a cara.

Ele é simpático. É autêntico. É um boa-praça. Mostrou competência até agora na carreira, senão não teria nem entrado no radar do Liverpool.

Clube que, na entrevista, ele considerou “especial”.

Só que os Reds precisam atualmente, desesperadamente, de alguém especial, não somente normal.

Desde 1990 o clube não conquista o troféu do Inglês – 25 anos de jejum.

Klopp terá de ser especial para sobreviver no Liverpool. Não pode se relegar ao papel de um treinador normal.

Talvez ele seja especial e não saiba. Se não for mesmo, é bom que se torne.

Para ter alguém normal, dava para o Liverpool ter ficado com Rodgers.

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